Um Leão de Bronze para a FCB Lisboa e dois bronzes para as duplas de jovens criativos no Young Lions, várias shortlists, foi em resumo o resultado da participação de Portugal na edição deste ano no Cannes Lions, festival internacional de publicidade que encerrou no sábado..Soube a pouco. José Filipe Gomes, senior art director na DDB Berlim, um dos criativos no mundo que em dupla com Pedro Lourenço (senior copy), ganhou dois Leão na categoria de Imprensa, para uma campanha para a Volkswagen, comenta os resultados de Portugal no festival. Temos de ser mais Burger King, defende. Veja porquê.."O que é que o Burger King tem que nós não temos?.Depois de mais um ano em que o desempenho de Portugal no festival de publicidade mais conceituado do mundo deixou muito a desejar (parabéns à FCB pelo único leão conquistado por agências do nosso país e às duas duplas de Young Lions que ganharam bronze em Design e Marketing), é obviamente fácil apontar o dedo e arranjar uma data de desculpas para, mais uma vez, não termos conseguido bons resultados em Cannes..Mas o que é que falhou? O nosso talento criativo está a par dos melhores do mundo e ao fim de quase 7 anos fora de Portugal, ainda não passei, nem vi nenhum português passar vergonha por ter menos talento ou piores ideias do que os outros. Bem pelo contrário..Ok, o nosso mercado é pequeno e o dinheiro para produzir e criar não abunda. A crise também não ajudou, e os clientes passaram os últimos anos mais focados em resultados imediatos (vulgo vendas) do que propriamente empenhados na construção das suas marcas a longo prazo. Mas, aproveitando o facto de lentamente a economia estar a recuperar, talvez esteja também na altura de fazermos publicidade que ponha o mundo a falar de nós para além do Euro, do CR7, dos incêndios e de mais um ranking em que Lisboa é a cidade mais cool do Universo e arredores, enquanto assistimos à perda da sua autenticidade a uma velocidade galopante..A campanha da David Miami para o Burger King, que ganhou Grand Prix na categoria de Imprensa - o Burger King e a David ganharam mais um GP com uma brilhante ação em que o Google Home era acionado por um filme e “obrigado” a falar sobre o Whopper - tem muitas coisas boas sobre as quais podia falar. O que gosto mais na campanha não é a ideia nem a execução, apesar de não haver nada a apontar aí, nem muito menos o facto de ser uma campanha de imprensa. O que me parece mais relevante neste contexto são duas coisas: a simplicidade e a coragem..https://www.youtube.com/watch?v=U_O54le4__I.Esta campanha já era simples antes de ser uma campanha, porque o briefing - se existiu ou não é irrelevante - é muito claro e direto: queremos uma campanha que demonstre o nosso principal diferenciador em relação à concorrência (vulgo McDonald’s): os nossos hambúrgueres são flame grilled (penso que grelhados na brasa seria o equivalente em português)..Isto não quer dizer que chegar a esta ideia seja fácil. Não é. Mas é seguramente mais fácil ter uma ideia boa para dizer algo muito concreto, do que ter uma boa ideia para dizer 3 ou 4 coisas ao mesmo tempo. Exemplo prático: queremos dizer que os nossos hambúrgueres, para além de serem grelhados na brasa, são produzidos a partir de carne de vaca exclusivamente proveniente dos Açores e, por isso, têm até menos 35% de gordura animal do que os da concorrência. Ah, e menos sal também. Pois..Mas é sobretudo corajosa, porque é preciso coragem de uma agência para apresentar uma ideia assim ao cliente e, acima de tudo, é preciso muita coragem de um cliente para produzir, pagar e veicular uma campanha em que se vê os seus próprios restaurantes em chamas. Esta ideia nunca passaria num focus group, nem num processo em que o product manager aprova antes do brand manager, que aprova antes do diretor de marketing, que por sua vez aprova antes do conselho de administração. Esta é uma ideia que só pode ser aprovada num contexto em que toda a gente está a trabalhar em prol da marca e não para o cargo acima na hierarquia..Nos últimos anos, o Burger King tem-nos habituado a campanhas muito corajosas, como McWhopper, Whopper Sacrificer, Subservient Chicken, entre muitas muitas outras, o que este ano fez com que fosse reconhecido - e bem - com o prémio de Creative Marketeer of the Year..Por isso, na minha opinião, este Grand Prix é mais do cliente do que da agência. E ainda bem. Porque ter um cliente corajoso é meio caminho andado para fazer o tipo de publicidade que todos acreditamos ser a que ajuda as marcas a chegarem mais perto das pessoas. Seguramente que há mais clientes a pensar assim. Como publicitário, espero que esta realidade deixe de ser a exceção e comece a ser a regra, também em Portugal. Porque a verdade é que, em todo o processo que envolve a criação de uma campanha, ter uma boa ideia é mesmo o mais fácil."