Opinião. O vulcão transalpino

Luís Bravo é economista da DIF Broker
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Faz cerca de duas semanas, o governo Italiano apresentou formalmente as suas expectativas económicas e projeções fiscais para o próximo ano, e que incluem uma revisão em alta dos objectivos de consolidação orçamental para o triénio até 2021.

Esta decisão unilateral por parte do governo transalpino inclui aumentos da despesa, reversões de reformas estruturais e redução de impostos. Esta semana, o que se previa aconteceu e a comissão europeia chumbou pela primeira vez, um orçamento de um Estado membro, e logo de um dos seus mais relevantes e antigos parceiros. A Itália. Os próximos meses não se adivinham fáceis na relação entre a União Europeia e o governo Italiano. E os mercados já começaram a descontar momentos de maior volatilidade, assentes nos receios que um divórcio político entre estas partes pode causar na Europa e no euro.

Para ajudar a aumentar a crispação, existe a aparente inflexibilidade do executivo em procurar alternativas, ou seja, o orçamento é este e não há plano B. À frente das preocupações encontra-se o receio com a deterioração das relações entre a Itália e a comissão europeia, e que no final possa desencadear nova crise sistémica na Europa, sobretudo se o debate sobre uma saída do país da União Europeia voltar a surgir na agenda política, como consequência de um prolongado braço de ferro entre Roma e Bruxelas. Isto teria consequências potencialmente devastadoras para a União Europeia, mais que o próprio Brexit. Uma Uscitália , pelo facto de estar dentro da moeda única, pode criar verdadeiras disrupções relacionadas com o risco de redenominação do euro, factor que nunca esteve em causa na situação do Reino Unido.

O problema para os observadores económicos assenta sobretudo nos pressupostos do orçamento que são claramente optimistas, podem criar maiores necessidades de ir ao mercado, criando maior pressão sobre os prémios de risco. O objectivo do défice assenta em previsões para o crescimento económico de 1,5% para 2019, face a valores de consenso dos analistas que apontam para algo em torno de 1%. Confirmando-se o fim do programa de estímulos do Banco Central Europeu (QE) esta situação pode criar uma reapreciação do nível de risco das emissões de divida soberana Italianas, com os devidos impactes sobre os restantes países da zona euro, e sobretudo dos países da periferia. Aliás estas preocupações ganham mais corpo quando os comentários das agências apontam exatamente no sentido da necessidade de se retomar o esforço de consolidação das contas publicas e das reformas estruturais.

A duvida reside agora na forma como ambas as partes vão gerir a divergência , evitando uma escalada dos receios com uma nova crise sistémica no euro. O braço de ferro pode acabar por resultar na abertura de um procedimento por défices excessivos a Itália, e isso pode acordar um vulcão adormecido na Europa. Sobretudo se a resposta Italiana for assente numa retórica política mais agressiva contra as instituições europeias, explorando o fenómeno populista eurocéptico – uma espécie de rebelião dos eleitores contra o sistema.

Os investidores devem ter este cenário em consideração, e no curto prazo, mercado fará sem duvida refletir isto nos preços dos ativos, sendo que enquanto muitas atenções andam voltadas para o que se passa na América do Sul, sobretudo no Brasil, por cá a revolta dos eleitores continuará a agitar a agenda do euro.

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