A semana passada, visitei a Cidade-Estado de Singapura. É uma cidade que conheço bem, por lá ter vivido durante alguns anos. No entanto, visitá-la é sempre surpreendente no contacto com o Estado e as suas instituições, pela forma como desafia a visão dominante por cá.
Começa na viagem na Singapore Airlines, uma empresa pública que é das melhores e mais rentáveis do mundo no setor da aviação. Depois, no aeroporto de Changi - igualmente gerido por uma empresa pública - admiramo-nos com a rapidez entre o desembarque e a saída do aeroporto e pelo ambiente de hotel de luxo para os que aguardam o embarque. Na cidade, comprovamos a excelência do Estado na qualidade e no baixo preço dos serviços públicos - da limpeza aos transportes.
A excelência do Estado é também reconhecida pelos resultados do sistema escolar, também público, gerando os melhores resultados mundiais nos três domínios dos testes PISA da OCDE em 2015 (leitura, ciências e matemática). É de salientar ainda o sucesso da política industrial no apoio ao desenvolvimento económico e na atração de investimento estrangeiro. Em suma, em Singapura, o Estado não é um problema para o crescimento - é a base do milagre económico em que o PIB per capita cresceu a uma taxa média de 4,99%, entre 1960 e 2015, multiplicando o nível de vida por um fator de 15,30. Portugal cresceu no mesmo período a uma taxa média de 2,87%, tendo o nível de vida multiplicado por um fator de 4,87.
A ideia de que o Estado possa ser o fundamento do crescimento constitui um paradoxo para o debate nacional, onde uns procuram formas de reduzir o peso e a intervenção do Estado, vendo-o como uma barreira ao crescimento e qualificando os políticos e os funcionários públicos como corruptos e/ou incompetentes; enquanto outros, para protegerem direitos adquiridos ou por estarem preocupados com o impacto social, preocupam-se apenas em assegurar o seu financiamento por todas as formas de tributação possível, incluindo daqueles que ainda estão por nascer.
O papel do Estado na economia não é uma opção! A presença de um Estado capaz de garantir as funções básicas é inerente ao funcionamento do capitalismo e é uma das expressões da civilização. Não há liberalismo sem contratos, sem segurança, sem estabilidade social, isto é, sem o Estado. Nas últimas décadas, expandiu-se o Estado social europeu, com quatro pilares: a proteção dos trabalhadores na negociação salarial e na legislação laboral, a proteção do emprego público, o acesso universal na educação e na saúde com financiamento público e a criação de um sistema de segurança social. Em Singapura, o Estado social focou-se no acesso à habitação, no serviço público na educação e na saúde e no sistema de segurança social.
A grande diferença entre a realidade portuguesa e singapurense não é a missão, a dimensão ou a intervenção do Estado, é a sua eficácia. Em Singapura faz-se mais, em termos da qualidade dos serviços públicos e nos resultados da política económica, com menos, em termos de despesa pública e número de funcionários. Dados do Banco Mundial estimam que, em 2015, Singapura ocupa o primeiro lugar do ranking mundial nas categorias de eficácia governativa e qualidade da regulamentação, enquanto Portugal ocupa, respetivamente, o 30.oº e o 44.oº lugar, entre 209 países. É importante notar que não há determinismo histórico ou cultural neste sucesso: os outros países no topo destes indicadores são a Suíça, a Nova Zelândia e Hong Kong.
Singapura está longe de ser um paraíso, com desafios como uma desigualdade crescente e um défice de direitos políticos dos cidadãos. No entanto, o sucesso do jovem país na edificação da sua administração pública providencia algumas lições interessantes, servindo hoje de exemplo a muitas nações, como o Dubai ou o Ruanda. A eficácia do Estado em Singapura baseia-se, a meu ver, em cinco princípios muito simples.
O primeiro é o de atrair os melhores, investir no seu desenvolvimento e assegurar a sua retenção, competindo com o setor privado. Trabalhar para o setor público em Singapura é motivo de enorme orgulho profissional e um passaporte para uma carreira de sucesso. Por exemplo, o Estado tem um sistema de bolsas no ensino superior para os melhores alunos que exige, como contrapartida, que trabalhem para o Estado durante pelo menos cinco anos.
O segundo princípio está relacionado com o primeiro e prende-se com a responsabilização e a pressão para apresentar resultados e cumprir objetivos, sem os quais o funcionário não progredirá na carreira e perderá o seu lugar. Para definir e quantificar objetivos, aferindo o desempenho, o Estado singapurense não hesita em recorrer aos mercados. Por exemplo, no caso das empresas públicas, o facto de terem uma pequena percentagem do seu capital nos mercados permite-lhes indexar uma parte dos salários dos funcionários ao desempenho dos seus títulos. Por outro lado, a capacidade de despedir cria pressão para se alcançarem resultados e permite excluir aqueles que, ao não contribuírem para a ambição da equipa, minam a motivação dos que o fazem e a cultura de prossecução de resultados.
O terceiro princípio é o da estabilidade macroeconómica, onde a despesa pública não pode criar constrangimentos à competitividade e, sobretudo, não pode pôr em risco o funcionamento do próprio Estado.
O quarto ponto relaciona-se com as políticas públicas definidas a longo prazo e com métricas claras de sucesso, permitindo aos funcionários delinearem e implementarem estratégias empresariais com resultados concretos.
O quinto e último princípio é a tolerância zero no combate à corrupção que coloca Singapura como um dos países menos corruptos do mundo (7.oº lugar, entre 176 países, no Índice de Perceção de Corrupção da Transparency International, em 2016).
O contraponto com a situação portuguesa é claro. Por um lado, o Estado em Portugal tem tido a capacidade de atrair talento e, nos últimos anos, tendo sido crítico no emprego dos jovens licenciados. No entanto, tem sido difícil implementar uma cultura de responsabilização pelos resultados e de meritocracia, o que mina a motivação dos funcionários, e das equipas, que querem fazer a diferença. As reduções salariais do período da crise, que não discriminaram os mais produtivos dos menos produtivos, são exemplo. Ou com a proteção extrema de emprego no setor, assumida constitucionalmente, que impossibilita a capacidade de sancionar quem não contribui para a missão ou para a equipa.
Em contrapartida, na impossibilidade de avaliar impacto e resultados e de implementar uma cultura meritocrática, criam-se em Portugal regulamentos e formalismos extremos, com sanções pessoais para quem os prevarique, para, supostamente, reduzir a corrupção e a má utilização dos fundos públicos. É a vitória da forma sobre a substância, do processo sobre o resultado. A consequência é, mais uma vez, a desmobilização de quem quer fazer a diferença e muitos álibis para quem não o queira. No Estado português, há pessoas competentes e incompetentes, como em qualquer organização. O problema é que os competentes têm de lutar muito mais para ultrapassar constrangimentos legalistas, correndo riscos pessoais constantes, para obter resultados e fazer a diferença, enquanto os menos competentes facilmente justificam a sua inação.
Um ponto pouco útil do debate é o da dimensão do Estado, sobretudo se usarmos como critério a capacidade de o financiar. A meu ver, esta é uma falsa questão: se houver um Estado eficaz e eficiente, como em Singapura ou na Suécia, devem ser-lhe dadas mais responsabilidades e certamente os cidadãos estarão mais disponíveis para pagar impostos. Caso contrário, quer-se um Estado mais pequeno, por forma a reduzir o desperdício.
Um ponto interessante tem sido a simplificação e a digitalização dos procedimentos administrativos, no âmbito do programa Simplex. Constituindo um programa muito positivo, estimo que o impacto destas medidas não substitui uma melhoria do funcionamento mais geral do Estado. Uma análise ao ranking Doing Business, do Banco Mundial, onde estes procedimentos são catalogados, demonstra como muitos países progrediram recentemente neste contexto, com pouco impacto no seu crescimento económico. Como qualquer pessoa que tenha assumido responsabilidades de gestão sabe bem, o que conta é a qualidade, a motivação e os incentivos dos recursos humanos.
Aumentar a eficácia do Estado em Portugal é importante, não só para a sustentabilidade financeira mas sobretudo porque, como demonstra Singapura, um Estado com objetivos de excelência faz a diferença no sucesso de uma economia moderna. Um benchmark internacional aponta pistas: um maior esforço para medir impacto e produtividade e incluí--los na definição de estratégias e de objetivos; a melhoria da capacidade negocial com os fornecedores; o alavancar das potencialidades da digitalização; e uma política de recursos humanos moderna, atraindo, desenvolvendo e retendo os melhores; e um modelo mais meritocrático e menos burocrático de gestão.
Para um país que passa tanto tempo a definir e a redefinir as suas estratégias e políticas, e onde historicamente tudo sempre passou pelo Estado, não deixa de ser paradoxal quão pouco nos preocupamos em aprender com outros países sobre como o fazer funcionar melhor. Talvez não queiramos, de facto, que funcione melhor.… No entanto, o impacto de uma reforma profunda e consequente alinhada com as melhores práticas internacionais no crescimento e na qualidade de vida dos portugueses seria certamente mais relevante do que mais ou menos uns pontos no défice.