Opinião. Um texto bosta sobre o segredo da felicidade

Quando se chega numa ideia simples e inédita, que responde eficientemente a um briefing objetivo, chega-se também a um caminho da felicidade
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Assim como vocês, desde que me conheço como profissional de comunicação, vivo atormentado por uma questão: Porque é que 90% da comunicação de marcas é uma bosta? E digo bosta, no mau sentido. No bom, bosta fertiliza e nutre o novo. Como é que uma indústria que se diz criativa, com bons profissionais, dinheiro e ferramentas produz 90% de conteúdo medíocre? (Acham o percentual exagerado? Não é.)

Tenho certeza de que o caro leitor tem várias respostas para esta enfermidade, prontas a serem proferidas com o indicador em riste. Mas coloquemos de lado as desculpas, engulamos o mimimi e foquemos na solução. Este pequeno artigo, escrito por um mero e pequeno mortal, guarda o segredo da felicidade dos profissionais de marketing, de acionistas, de criativos e, sem querer parecer prepotente, da humanidade.

Sim, meus amigos, achei o segredo da vossa felicidade profissional. Poderia tornar-me milionário com essa informação, mas embebido pelo espírito da visita do Sumo Pontífice, preferi partilhar com vocês. (Aliás, ele ainda está em Portugal? Queria tanto que lesse)

A solução está visível no primeiro parágrafo deste texto. Aquela parte em que falo de bosta. Para que um projeto deixe de ser bosta, temos de tirar a bosta dele. O famoso cut the crap em gringolhês. Isto, porque nenhum projeto bosta, é bosta por inteiro. Ele é um pedaço de boas intenções com vários cocozinhos acoplados. E vocês sabem que um pedacinho, por menor que seja, é capaz de empestar tudo. Lembra da última vez que pisou um pedacinho de cocó de cão, mas só o descobriu à mesa do trabalho?

Assim, se queremos todos ser felizes nesta profissão temos, primeiramente, de identificar as bostas. Muitas, precedem o momento da ideia. Chegam no momento do briefing, na forma de checklists, ideias feitas ou vagas demais. Um briefing leve e cheiroso vem com uma frase objetiva do que se pretende alcançar com a comunicação. Não uma frase à la Saramago, com inúmeras vírgulas, mas algo capaz de caber num tweet, com um ponto de vista único e verdadeiro ao produto, acordado por todos os decision makers da companhia. Depois, é preciso definir o target e prover alguma informação pertinente de apoio.

E pronto, é isso. Para a agência, o melhor jeito de cut the crap é pegar naquela frase curta e objetiva do briefing e ter uma ideia que responda positivamente à pergunta: would people give a sh*t?

Quando se chega numa ideia simples e inédita, que responde eficientemente a um briefing objetivo, chega-se também a um caminho da felicidade. O cliente vai ficar entusiasmado como adolescente no PornHub por ter uma ideia que, claramente, responde ao que pretende.

Os criativos da agência vão se abraçar mais que os jogadores da seleção alemã no jogo contra o Brasil de 2014. Os atendimentos vão viver tempos de tranquilidade, necessitando apenas de gerir entusiasmos. Os parceiros de produção vão-se desdobrar para fazer essa ideia. Para isso, vão até baixar o preço. Baixando o preço, os clientes ficam ainda mais felizes. Uma felicidade que contagia os atendimentos e a criação.

De repente, os familiares de todos os envolvidos são agraciados por essa felicidade. São semanas intensas de expectativa pelo dia da estreia da ideia. A ideia nasce. A humanidade adora. Vê até ao fim, dá likes, compartilha. O projeto vira notícia e o dinheiro gasto em media é agora, infinitamente inferior à media ganha. Os clientes ficam ainda mais felizes. Os acionistas se regozijam pelas vendas. E por aí vai num círculo virtuoso.

Querem um exemplo de ideia pura, imune a bostas? A canção e formato do Salvador Sobral. Seguisse ele os processos dos tais 90% de conteúdo bosta e teríamos uma música seguindo fórmulas. Cantada em inglês, com punchi punchi de ginásio e fogos de artifício. Ele protegeu a sua música de todos os checklists da Eurovisão. Foi uma ideia pura. Com uma mensagem clara e um jeito inédito de se apresentar. Simples assim. Consagrou-se feliz e, com ele, a felicidade dos humanos portugueses.

Executive Creative Director da AKQA São Paulo

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