A ‘Arte da Negociação’ aplicada à economia mundial
Luís Montenegro, ontem, disse no seu discurso ao país - aquele em que anunciou um reforço no Orçamento da Defesa e um pacote de 10 mil milhões para apoiar as empresas a mitigar o impacto das tarifas impostas pelos EUA - que “é mesmo o momento de ter adultos na sala”. Respondia às reviravoltas que Donald Trump tem dado na guerra comercial que ele próprio iniciou, e isso leva-nos a uma outra reflexão. Um colega de redação lembrava-me, e bem, que na quarta-feira a porta-voz da Casa Branca atirou, durante uma entrevista, uma frase muito esclarecedora: “Alguns de vocês claramente não entenderam A Arte da Negociação”. Respondia, ao lado do Secretário de Estado do Comércio, à perceção de que a Administração Trump teria recuado na política de imposição de tarifas.
No livro, escrito por Donald Trump quando ainda era só um empresário relativamente desconhecido, no final da década de 1980, o atual presidente dos EUA elenca várias formas de ganhar nos negócios. E ajuda, de facto, a compreender parte da postura pública que o governante tem adotado desde que voltou à Casa Branca.
Uma das dicas que o empresário, que construiu as Trump Towers, dá é fazer um pedido demasiado alto numa negociação. “O meu estilo de negociar é simples e direto: olho em grande, e insisto, insisto, insisto para conseguir o que procuro.” As invasões ao Canadá e a Gronelândia podem ter sido motivados por esta dica que o presidente leva muito a sério. Tal como as tarifas, em que agora recuou - alguma coisa vai ganhar. Ou as negociações de paz com a Ucrânia.
Depois, afirma Trump no seu livro, gosta de “pensar em grande. Para mim, é muito simples: se, de qualquer maneira, vamos ter de pensar, posso muito bem pensar em grande. A maioria das pessoas pensa pequeno, porque tem medo do sucesso, medo de tomar decisões, medo de vencer. E isso é uma grande vantagem para pessoas como eu”. Tal como fez com “a deportação em massa” que anunciou logo no início do seu mandato - só que, na verdade, em média tem deportado menos pessoas, por mês, do que o seu antecessor Joe Biden.
Por que é que a perceção é diferente? Porque Trump acredita que o mediatismo é a chave do sucesso. “É preciso gerar interesse e criar entusiasmos”, adiantava em 1987. E, portanto, Trump é o seu melhor relações públicas, anunciando tudo o que faz - mesmo que seja irrelevante ou falso. Porque assim ganha dimensão aos olhos de quem não perde 30 segundos a ver se o que diz corresponde à verdade.
Depois há ainda o facto de acreditar, à semelhança de Oscar Wilde, que “não importa se falam bem ou mal de mim, desde que falem”. Aliás, também o deixou escrito para que pudéssemos confirmar. “Sou empresário e aprendi uma lição com a experiência: publicidade positiva é melhor que negativa. Mas, no final , publicidade negativa, às vezes, é melhor do que publicidade nenhuma. Para resumir: controvérsia vende.”
E quem não se lembra do episódio que se viveu na Sala Oval quando, perante dezenas de câmaras, Donald Trump humilhou o presidente ucraniano, depois de o ter convidado para sua casa? E que terminou com Trump a dizer: “Isto foi um ótimo momento de televisão”?
Por último, o desafio e a fanfarronice. “A última cartada na minha forma de me promover é o desafio. Brinco com a imaginação das pessoas. As pessoas querem acreditar que uma coisa é a maior, a melhor e a mais espetacular. É o que chamo de hipérbole verdadeira. É uma forma inocente de exagero e eficiente de promoção”, conclui. Ou, como quem diz, criar “a Riviera do Médio Oriente” na Faixa de Gaza e Make America Great Again.
Donald Trump não tem sido, ao contrário do que Luís Montenegro afirma, uma criança na sala. Bem pelo contrário. Tem sido fiel a si próprio, o adulto que segue os seus próprios conselhos.
Quando era empresário e brincava apenas com o seu património, as pessoas achavam-lhe graça - o sucesso da série O Aprendiz, em que humilhava publicamente candidatos às suas empresas, não aconteceu por acaso. E toda a gente se ria quando o episódio terminava com um dramático: “You're fired!” ou “Estás despedido!”
O presidente Donald Trump não é em nada diferente do empresário Donald Trump: um negociador astuto, cruel, um rufia a quem incomoda zero humilhar os seus pares governantes, os seus trabalhadores ou quem quer que se coloque no caminho das suas ideias. O problema, no limite, não é Donald Trump. São todos os que lhe acharam graça quando ele era apenas um empresário, e não compreenderam a ameaça que o adulto representava.
Esta não é, infelizmente, uma luta de crianças. É uma luta séria pela Democracia mundial, e é bom que mais adultos lhe façam frente. Ou então, continuaremos a viver semanas de incerteza e volatilidade.