A difícil relação da esquerda com o mercado
Muito se tem escrito sobre a chamada lei dos solos. Não serei mais um fazê-lo pois outros, muito mais habilitados, já o fizeram. Contudo, creio que alguns dos argumentos avançados por quem está contra refletem bem os preconceitos da esquerda em relação à economia de mercado.
Um dos argumentos é que se trata de um convite à corrupção, como se esta fosse exclusivamente ditada pelos interesses privados. Talvez valha a pena esclarecer do que se está a falar. Corrupção ocorre quando uma pessoa, que ocupa uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço.
Para haver corrupção não é necessário que haja “privados” – ela tanto pode envolver pessoas ligadas a entidades privadas como públicas. O ingrediente essencial é a desonestidade que leva ao uso abusivo de uma posição dominante em benefício próprio ou de terceiros.
Ora este é exatamente o primeiro preconceito ideológico da esquerda: admitir que a origem da corrupção está sempre do lado do setor privado. Mesmo quando envolve atores públicos, o pressuposto é que estes foram corrompidos pelos privados que só procuram cegamente o lucro a qualquer custo, decorrendo daqui o corolário de que quanto maior for o peso da iniciativa privada na economia do país maior será a corrupção.
O segundo preconceito tem que ver com a especulação, um argumento que também tem sido esgrimido pela esquerda a respeito da lei dos solos. Convém talvez esclarecer que especulação é uma prática económica que envolve a compra e venda de ativos (por exemplo, imobiliários e financeiros) com o intuito de obter ganhos extraordinários com variações futuras dos seus preços.
Por outras palavras, a especulação é um tipo particular de investimento que se caracteriza por proporcionar ganhos potenciais mais elevados mas que também comporta riscos acrescidos. Para que ela aconteça não basta que os investidores assim o desejem. Em geral, ela decorre de imperfeições no funcionamento do mercado que conduzam à volatilidade dos preços, como a posição dominante de certos agentes, as assimetrias na informação e o desequilíbrio acentuado entre oferta e procura.
A especulação imobiliária em si não é necessariamente crime – embora em certas situações o possa ser. Mas não se pode deixar de reconhecer que ela dificulta, de forma clara, o acesso à habitação. Ora quando se sabe que na última década o preço das casas mais que duplicou, isto significa que alguma coisa vai mal no setor. Pode indiciar que há especulação (e sabemos que há!) mas, acima de tudo, reflete que há um desequilíbrio entre oferta e procura.
Tudo o que se fizer para atenuar esse desequilíbrio irá contribuir para um menor crescimento do preço da habitação. Pode ser o Estado a fazê-lo, por exemplo, através de habitação social ou a preços controlados ou ainda da colocação de imóveis públicos devolutos no mercado de habituação; ou pode ser a iniciativa privada através da construção de mais casas.
Mas o que não se pode é pressupor que o investimento público só pode ser benéfico e o privado especulativo. Até porque na última década – a tal do crescimento acentuado dos preços da habitação – a governação em Portugal esteve basicamente nas mãos da esquerda, mormente durante o período da “geringonça” que contou com o apoio do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda.
Os agentes económicos privados não são santos. Mas daí a concluir-se que tudo o que é corrupção e especulação vem desse lado é um preconceito ideológico que em nada ajuda ao desenvolvimento da sociedade e do país, nomeadamente no campo da habitação.
Carlos Brito é Presidente da Associação Portuguesa de Management