A grande muralha tarifária da China
Não foi assim há tanto tempo que as relações comerciais entre China e Estados Unidos eram um enorme catalisador do crescimento económico, e em que o céu parecia o limite para o comércio entre as duas maiores economias do mundo. A chegada de Donald Trump ao poder no seu primeiro mandato trouxe consigo o primeiro sinal do fim de uma era, e esta sua segunda administração promete finalizar o trabalho de construir na China uma nova grande muralha. Desta feita não uma para evitar a entrada de emigrantes mexicanos, mas para deter os produtos chineses no mercado americano. Esta nova grande muralha é tarifária, e em pouco mais de dez anos parece não existir limite para a escalada de taxas às importações chinesas. Será que é assim mesmo? Até que ponto pode ir este braço de ferro?
Numa primeira reflexão, importa dizer que existem já alguns sinais de alerta. Apesar da ofensiva ser global, a China é o principal alvo da ofensiva comercial dos Estados Unidos e as taxas americanas sobre importações da China subiram para 145% em questão de dias. Pequim reagiu com impostos de 125% sobre as importações americanas, mas ficou evidente que não irá retaliar muito além disso. Afinal, as pressões sobre o crescimento do gigante asiático estão a crescer e uma queda acentuada da procura externa pode provocar um cenário de deflação, e onde um atual cenário vincado por excesso de capacidade produtiva em conjugação com fracas expectativas do consumidor chinês, e da fragilidade do mercado imobiliário não precisam de mais sinais de escalada nesta guerra comercial. Bem pelo contrário.
Numa segunda inferência, e talvez mais relevante, os mercados financeiros responderam de forma negativa a uma escalada sem fim da ofensiva tarifária norte americana. Como resultado das imposições, os mercados de ações dos EUA perderam cerca de 5,4 biliões de dólares em dois dias, com o S&P 500 e o Nasdaq entrando em território de "bear market". O Dow Jones perdeu mais de 4.000 pontos em dois dias, enquanto o S&P 500 caiu 10% e o Nasdaq 11%, resultando numa das mais significativas perdas de valor de mercado em dois dias na história dos EUA. Ou seja, os investidores começaram a ficar nervosos com a forma como estes novas muralhas tarifárias podem criar impacte significativo, e começaram a descontar um cenário futuro de recessão, e levou a que o governo dos Estados Unidos fosse forçado em abril a criar uma pausa de 90 dias na ofensiva tarifária.
Numa terceira e última nota, dizer que parece claro que a grande muralha tarifária entre Estados Unidos e China não será nunca tão elevada como parece. É evidente que a manutenção prolongada desta guerra comercial teria impacte colossal sobre a previsibilidade do crescimento económico global, e inclusivamente provocar uma rutura de confiança no sistema financeiro internacional, podendo inclusivamente levar a cenário de colapso das cadeias de valor industriais, e até dos mercados financeiros internacionais – a subida acentuada do preço do ouro, ativo tradicionalmente de refúgio em cenários de disrupção financeira. Ninguém vai arriscar, depois das lições de 2008, uma complexa crise de confiança.
É natural que boa parte destas novas regras do jogo tenham chegado para ficar, e que de facto exista uma muralha tarifária que pode perdurar por muitos anos com a China – e não só. O que pode de facto ser suficiente para prejudicar o crescimento, levando os principais mercados à estagnação económica. A volatilidade e impacte poderá depender das reações e retaliações. A pausa dos 90 dias é uma oportunidade para que Trump reposicione a sua estratégia de construir Muralhas antes de Pontes, e feche acordos comerciais, com vantagens para todos. Afinal uma guerra comercial global longa e custosa apenas resultará em perdas para todos os participantes.
*Luís Tavares Bravo é economista e Presidente do Internacional Affairs Network