A Hipocrisia Sustentável: entre o discurso e a prática do consumidor atual
A sustentabilidade ascendeu a um patamar central no discurso empresarial e nas expectativas dos consumidores. Por essa razão, revistas de gestão de renome, como a Harvard Business Review, a McKinsey Quarterly, a MIT Sloan Management Review e a Forbes, têm dedicado espaço considerável ao tema, sublinhando a crescente preferência dos consumidores por marcas alinhadas com valores de sustentabilidade. Por exemplo, a Rethink Retail, num relatório recente, aponta que 44% dos consumidores tendem a favorecer marcas que partilham os seus valores de sustentabilidade. Este dado ecoa em muitos outros estudos e relatórios de consultoras como a Nielsen ou a Accenture, que reforçam a narrativa de um consumidor consciente e preocupado com o impacto ambiental e social das suas escolhas.
No entanto, a realidade do comportamento de consumo revela uma lacuna gritante entre o discurso e a prática. Apesar da retórica pró-sustentabilidade, os consumidores, em particular a Geração Z, demonstram frequentemente uma propensão para ofertas de curto prazo, como promoções, descontos e outros apelos sedutores, nomeadamente por parte de marcas de fast Fashion e de eletrónica de consumo. Esta contradição materializa o clássico problema do attitude-behaviour gap no marketing: dizemos uma coisa em inquéritos e surveys, mas agimos de forma diferente no momento da compra. A isto se chama em marketing, social desirability bias (enviesamento que leva as pessoas a responderem de forma socialmente desejável, criando uma discrepância entre o que dizem e o que fazem). Ou seja, respondemos o que acreditamos ser socialmente desejável, o que o entrevistador quer ouvir, criando uma profecia autorrealizável de que ansiamos por um consumo sustentável, quando, na verdade, as nossas ações demonstram o contrário.
Este enviesamento tem implicações profundas para as empresas. Cria-se uma ilusão de que a procura por produtos sustentáveis é uma força motriz do mercado, levando muitas empresas a adotar uma postura de "sustentabilidade de fachada". Da mesma forma que os consumidores mostram preocupações ambientais que depois não materializam nas suas decisões de compra, também as empresas propagandeiam valores ambientais e sociais, mas, na prática, pouco ou nada fazem para os concretizar. Se não houver um imperativo legal a obrigar à adoção de práticas sustentáveis, a maioria das empresas hesita em investir recursos significativos nesta área. A lógica económica prevalece: a sustentabilidade é vista como um custo adicional, com retorno incerto e não imediato. Assim, enquanto o consumidor não demonstrar, através das suas ações de compra, uma verdadeira prioridade pela sustentabilidade em detrimento de outros fatores como o preço e a conveniência, a mudança efetiva permanecerá limitada.
A attitude-behaviour gap manifesta-se de diversas formas. Um estudo da McKinsey (2020), por exemplo, revelou que mais de 60% dos consumidores nos EUA afirmaram que pagariam mais por embalagens sustentáveis, mas dados de vendas reais nem sempre corroboram essa disposição a pagar um prémio. Este desfasamento entre intenção e ação coloca um desafio complexo para as empresas que procuram genuinamente adotar práticas sustentáveis.
A solução não reside apenas em campanhas de marketing mais eficazes ou em mensagens mais persuasivas. É necessária uma mudança sistémica que envolva a educação do consumidor, com iniciativas que promovam a informação e a consciencialização sobre o impacto das suas escolhas e capacitem os consumidores a
poderem tomar decisões mais informadas e a terem como efetivamente as adquirir a preços pagáveis, isto é: a preços que ainda que superiores aos das marcas que não se regem por estes valores, não são absurdamente mais caros. Esta condição deve ser equacionada em conjunto com outra: é também necessário que se promova uma cultura de inovação e desenvolvimento de soluções sustentáveis economicamente viáveis por parte das empresas, levando-as a procurar tornar os seus produtos e serviços mais sustentáveis e ainda assim acessíveis e competitivos em termos de preço e conveniência. Porém, o elemento que é verdadeiramente diferenciador na mudança de paradigma parece ser a existência de uma regulação mais robusta: a imposição legal de padrões mínimos de sustentabilidade é crucial para criar um level playing field e evitar o greenwashing.
Em suma, enquanto a sustentabilidade permanecer refém de um discurso hipócrita, onde as palavras não se traduzem em ações, o progresso será lento e superficial. A verdadeira mudança exige um compromisso genuíno por parte das empresas, suportado por legislação eficaz e por um consumidor verdadeiramente informado e consciente do seu papel na construção de um futuro mais sustentável. Só assim se poderá colmatar o attitude-behaviour gap e transformar a retórica em realidade.