A reativação do canal da mancha pós-brexit
O velho continente enfrenta atualmente desafios de monta e em várias frentes. O mundo tornou-se um sítio mais protecionista, com novas regras do jogo na política comercial internacional, e onde uma nova cortina de ferro parece estar a emergir entre Europa Ocidental e a Rússia, enquanto as relações com a China aparentam também estar numa encruzilhada. Politicamente, o controlo das fronteiras, a emigração, a perca de competitividade tecnológica face a Estados Unidos e China, são temas que ensombram o futuro dos europeus, e que têm ajudado também a minar a perda de confiança dos eleitores no centro político, alimentandos fenómenos mais populistas e ajudando a polarizar a discussão do interesse público.
Depois do Brexit, a Europa ficou aparentemente a falar em duas vozes. A continental, e a Atlântica. Contudo, alguns sinais de alinhamento comum têm vindo a surgir, em alguns casos por força das circunstâncias – como é o caso da invasão da Ucrânia – noutros, nem tanto. É o caso do mais recente acordo entre a UE e o RU, o mais compreensivo e de maior dimensão depois da saída do Reino Unido da União Europeia, e que pode ser uma renovada reativação do canal da mancha, e que não é apenas comercial.
De facto, a parceria formalizada na cimeira de 19 de maio de 2025, destaca-se por três características fundamentais na área da Defesa: Numa primeira frente, estabelece um quadro de diálogo institucionalizado, incluindo consultas políticas semestrais e uma reunião anual dedicada à defesa e segurança, cobrindo tópicos como apoio à Ucrânia, mobilidade militar, segurança marítima e espacial, cibersegurança e resistência a ameaças híbridas. Em segundo lugar, abre portas à participação do Reino Unido em iniciativas europeias como o fundo SAFE (um instrumento de empréstimo de €150 mil milhões para investimentos em energia e defesa) e em projetos industriais de defesa da UE, permitindo também o acesso ao mercado interno de tecnologia e equipamento estratégico. Em terceiro lugar, e não menos importante, o acordo promove a cooperação estreita em domínios transversais — desde o combate à desinformação e proteção de infraestruturas críticas até coordenação de sanções, interoperabilidade industrial e desenvolvimento conjunto de capacidades em inteligência artificial aplicada à segurança. Esses três pilares reforçam uma aliança pragmaticamente orientada à segurança europeia, sem comprometer a soberania de cada parte.
Este acordo pode também ser relevante para Portugal. Desde logo porque o reforço da cooperação em segurança e defesa oferece ao país, enquanto membro da UE e da NATO, oportunidades para aprofundar a sua participação em missões conjuntas, partilha de inteligência e proteção de infraestruturas críticas, especialmente nas áreas marítima e cibernética — ambas prioritárias para o país. Em segundo lugar, ao permitir que o Reino Unido participe em programas industriais e tecnológicos europeus, o acordo pode facilitar colaborações entre empresas portuguesas e britânicas em setores como a defesa, energia ou inteligência artificial, impulsionando a inovação e o investimento. Por fim, uma relação mais estável e previsível entre a UE e o Reino Unido pode beneficiar Portugal no plano comercial, ao reduzir barreiras para empresas portuguesas exportadoras, sobretudo nos setores agroalimentar, vinícola e tecnológico, além de proteger os direitos dos cidadãos portugueses residentes no Reino Unido.