Colocar todos os ovos no mesmo cesto nunca foi uma boa opção

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Em Wall Street, depois de semanas de nervosismo, o clima adensou-se esta quinta-feira, quando o presidente norte-americano confirmou a tarifa de 25% sobre automóveis importados para os EUA. Já durante o início da semana havia outros sinais de alerta, com a banca de investimento a fazer cortes de pessoal e fontes das instituições a admitirem, ainda que oficiosamente, que mais demissões deverão estar na calha, graças à desaceleração dos negócios, que estão a ser significativamente penalizados pela incerteza das recentes decisões de Donald Trump. Ontem de manhã, ainda madrugada nos EUA, o HSBC dava conta de que tinha demitido vários dos seus banqueiros, sem sequer lhes pagar os bónus que alegadamente lhes seriam devidos. O movimento é de reestruturação e de consolidação, a contrastar com aquilo que eram as expectativas no final do ano passado, quando as bolsas e os investimentos dispararam de olhos postos na nova política económica da Casa Branca.

"Quando um cesto cai ao chão, ou se fecha, ficamos sem recursos alternativos"

Em redor do mundo, nomeadamente na União Europeia, Canadá, Reino Unido e Japão cerram-se fileiras e o tom dos governantes endurece, afirmando que farão o que tiver de ser feito para proteger a indústria automóvel, setor cuja importância é determinante em muitas das economias que vão ser afetadas por esta decisão da Administração norte-americana. Até Lula da Silva, presidente do Brasil - um país que não tem o mercado mais liberal do mundo, claramente - reagiu, afirmando que “o protecionismo não ajuda nenhum país do mundo”.

Na Europa, com uma indústria que já está fortemente pressionada, Von der Leyen não tardou também a emitir uma opinião: a medida “é má para as empresas e pior para os consumidores.” E o novo primeiro-ministro canadiano, Mark Carney, aproveitou para anunciar medidas retaliatórias a curto prazo. “Defenderemos os nossos trabalhadores, defenderemos as nossas empresas, defenderemos o nosso país e defendê-lo-emos juntos”, avisou.

Já o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, disse que colocará “todas as opções na mesa” para lidar com as novas tarifas, e a Coreia do Sul disse que poria em prática uma resposta de emergência para a sua indústria automóvel, que será duramente atingida, até abril.

No mesmo sentido, por toda a Europa e no Canadá, têm crescido os movimentos civis de apoio às empresas europeias e de boicote a produtos “Made in USA”, em retaliação pelas recentes decisões económicas de Trump.

Alguns supermercados estão mesmo a usar símbolos - como autocolantes específicos - para ajudar os consumidores a identificarem produtos que venham dos EUA, por forma a que não os escolham na hora de encher os carrinhos das compras. As ações têm sido mais fortes no Canadá, onde muitos cidadãos deixaram mesmo de marcar férias do outro lado da fronteira - um destino habitual - para mostrar o seu descontentamento.

Há décadas que não se via um movimento tão concertado contra uma economia, sobretudo quando falamos de uma das maiores do mundo. Há décadas, também, que, na verdade, grande parte dos países falharam em cumprir aquela que é uma das regras mais básicas do mundo do investimento e que diz que não devemos colocar todos os ovos na mesma cesta. Que é como quem diz: não devemos apostar apenas num mercado. Porque, naturalmente, quando um cesto cai ao chão, ou se fecha, ficamos sem recursos alternativos.

As medidas agora anunciadas pela Administração Trump só podem representar uma surpresa para alguém que tenha andado muito distraído nos últimos tempos e, aliás, durante o primeiro mandato do republicano. Sucederam-se as opiniões sobre como não era preciso temer, porque, na chegada ao poder, o presidente não iria “tão longe” em relação ao que eram intenções anunciadas durante a campanha, parecendo ignorar algo que tem sido consistente ao longo da última década: Paulo Guedes não seria um ministro tão liberal quanto Jair Bolsonaro anunciava; Vladimir Putin não seria tão avesso à diplomacia quanto a invasão da Crimeia anunciava... os exemplos sucedem-se e todos eles foram exatamente aquilo que se esperava que fossem. Cumpriram todos os intentos que antes de chegarem ao poder garantiam ser os seus.

Às vezes, a resposta mais verdadeira é realmente aquela que está à nossa frente. Mais uma vez, mercados, investidores, empresas e até líderes políticos preferiram deixar-se encadear pelo brilho que lhes foi prometido - e o problema, quando deixamos de ver, porque a luz no obriga a semicerrar os olhos, é que não conseguimos preparar-nos para as sombras que, lá à frente, já se adivinham.

Ninguém sabe exatamente o que todos estes movimentos que agora vivemos nos vão trazer. Não serão tempos fáceis. Mas, como já aqui escrevi, há algo que é certo: só os atravessaremos todos juntos, encontrando formas alternativas de compensar aquilo que são as decisões que nos ultrapassam. Porque a incerteza, tal como as tempestades, tem algo de muito certo: há sempre um dia em que também chega ao fim.

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