Como o marketing explica o sucesso do Chega
Muitos leitores, depois de verem o título deste artigo, imaginarão que vou falar sobre a forma como o Chega comunica: com eficácia e agressividade, mas também de um modo oportunista e, com frequência, sem respeitar os limites da ética.
Tudo isso é verdade, mas a razão do seu sucesso é mais profunda. Numa linguagem de marketing, pode-se dizer que tem, desde logo, uma proposta de valor especialmente atrativa para muitos cidadãos.
Comecemos pelo princípio. Ensino aos meus alunos que no âmbito do marketing há duas posturas: orientação para o produto e orientação para o mercado. A primeira é aquela em que se começa por conceber aquilo que se quer vender e só depois se pensa nos clientes e na forma de comunicar; orientação para o mercado é o inverso: tudo começa por se procurar entender o que os clientes desejam e depois pensa-se na melhor forma de os servir.
Claro que estas duas posturas não são as únicas alternativas possíveis. Na realidade, o que existe é um continuum de posicionamentos intermédios entre esses dois extremos. Acontece que a generalidade dos partidos em Portugal assume uma postura ainda muito orientada para o produto. “Nós somos socialistas, logo o nosso programa tem de incluir isto e aquilo”; “nós somos sociais-democratas, logo o nosso programa deverá ser assim ou assado”; e por aí fora.
No espetro político-partidário português há, todavia, uma exceção: o Chega. Que, desde logo, não se autointitula nem de direita, nem de esquerda, nem social-democrata, nem liberal, nada. Os “outros“ é que o rotulam de extrema-direita… embora depois se constate que muitos dos que nele votaram, no passado já o tenham feito nos socialistas ou mesmo nos comunistas.
Será que esses eleitores viraram fascistas de um momento para o outro? Não, o que aconteceu é que existe um partido com uma “solução” (e não um “produto”) que para esses eleitores faz todo sentido.
Como caracterizar então esse eleitorado? A segmentação tradicional do “mercado” eleitoral assenta em critérios demográficos (rendimento, idade, sexo, profissão, escolaridade…). Veja-se, por exemplo, a forma de atuar do Governo: são medidas para os jovens, são medidas para os reformados, são medidas para esta ou aquela profissão. Tudo abordagens demográficas do eleitorado.
O mérito do Chega está em ser um partido transversal: não se pode dizer que é só de ricos pois muita gente de baixo rendimento votou nele; também não se pode dizer que é só de jovens porque também tem menos jovens; ou que privilegia mais esta profissão do que aquela (apesar de ter um carinho especial pelas forças de segurança).
Aquilo que André Ventura e os seus estrategas fazem é olhar para o mercado eleitoral com base em critérios psicográficos, o que os leva a identificar vários segmentos de acordo com a postura dos cidadãos perante a vida: os empreendedores, os idealistas, os conservadores, os bem-consigo-mesmos e, claro, os desiludidos.
Ora é exatamente este último segmento que o Chega elegeu como target: todos os que estão insatisfeitos, desiludidos, zangados, ressentidos, frustrados, desapontados. Gente que no passado até pode ter votado no PCP, mas que hoje vota no Chega. Porquê? Porque os comunistas continuam orientados para o “produto”, ainda por cima um produto gasto e ultrapassado.
A esses o Chega acena-lhes “com os amanhã que cantam“ atuais: a segurança – que é um problema efetivo em certas zonas do país; a imigração – que também é causa de muitas complicações em certas regiões; e a corrupção – que é uma ideia vaga, mas fácil de vender.
E se estes três ingredientes não forem em “dose” suficiente, aí entra a dita comunicação eficaz, agressiva, oportunista e sem ética para fazer crer que a insegurança é maior do que na realidade é, que os males da imigração são mais complicados do que na realidade são e que o país está a saque porque os políticos são todos (exceto os do Chega!) corruptos. Porque, parafraseando Alphonse Esquiros, “começa-se por fazer com que a mentira se pareça com a verdade e acaba-se por fazer com que a verdade se pareça com a mentira”.
Em suma, Ventura – tal como Trump nos EUA – assume um posicionamento que, na época em que vivemos, tem todas as condições para ser bem-sucedido junto dos eleitores: uma forte orientação política para o mercado (ao contrário da generalidade dos outros partidos), uma segmentação psicográfica do eleitorado (e não demográfica como é tradicional) e uma comunicação eficaz que é capaz de aproveitar todas as pequenas e grandes oportunidades… e de transformar as ameaças em oportunidades. Até uma simples crise de azia.
Querem saber quanto o Chega vai crescer? Por favor, não façam uma sondagem a perguntar aos eleitores se vão votar nesse partido – perguntem-lhe antes se estão zangados, se estão desiludidos, se estão insatisfeitos, se estão de mal com a vida. Porque são esses que votam no Chega, mesmo que não o declarem.
Como esse segmento de desiludidos e zangados tende a crescer (porque as exigências são elevadas e as nuvens no horizonte são mais do que muitas) isto significa que Portugal está condenado a ser governado pelo Chega? Sim… se os outros partidos continuarem virados para o umbigo (leia-se, com uma postura orientada para o produto), se continuarem a analisar os anseios da população com base em critérios demográficos e se teimarem em utilizar estratégias de comunicação ultrapassadas.
Se um dia o Chega vier a ser poder em Portugal, não é porque o povo se tenha tornado fascista e de extrema-direita. Se isso vier a ocorrer, os únicos “culpados” são os partidos tradicionais (aqueles que se intitulam do regime) que continuam amarrados a velhas e ultrapassadas visões e estratégias.
*Carlos Brito é Presidente da Ordem dos Economistas – Norte