Contra a incerteza, refletir

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Depois de, no final de fevereiro, termos assistido ao – possivelmente – mais vergonhoso episódio da diplomacia internacional, neste início de mês foi tempo de nos envergonharmos dentro de portas. A queda do Governo da Aliança Democrática, provocada pelo próprio primeiro-ministro, não é apenas um capítulo lamentável da política nacional. Na verdade, é algo que nos devia dar bastante que pensar.

Já muito se disse e se escreveu sobre o que aconteceu, e só o tempo vai ser justo com a avaliação da situação. Mas há algumas variáveis que nós, eleitores – cidadãos, empresários, funcionários da administração pública ou privada, estudantes... - devíamos ter em atenção:

1. Tal como tem acontecido no nosso dia-a-dia e nos nossos meios, os nossos governantes mostram sérias dificuldades de comunicação. O diálogo parece ser a última opção quando devia ser a primeira, e o interesse nacional, que devia ser o ulterior motivo de todos eles, é claramente ignorado com demasiados egos na sala;

2. Como diziam vários analistas por estes dias, não há problema algum com a devolução da escolha do Governo aos eleitores. A Democracia continua a ser “o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”. Mas os eleitores estão cansados e, segundo sondagens que já foram sendo feitas, ainda que com amostras reduzidas, a maioria está com pouca vontade de voltar às urnas. O que significa que o regresso a taxas de abstenção acima dos 50% é uma possibilidade real;

3. Numa altura em que o mundo parece estar parado à espera dos próximos passos – de Trump, de von der Layen, de Montenegro, de Marcelo Rebelo de Sousa – é muito importante poder confiar nos governantes, nas instituições democráticas, no funcionamento das regras.

Não é por acaso que, nas últimas semanas, temos assistido a um ambiente de elevada volatilidade nos mercados internacionais. As ameaças de Donald Trump – e as retaliações das economias visadas - que fizeram escalar uma guerra comercial anunciada, mas cuja proporção ainda estamos longe de conseguir prever, têm feito analistas acautelar-se nas previsões e investidores guardarem o dinheiro no bolso. Apesar de até terem dado sinais de correção na sessão de quarta-feira, a verdade é que ontem as principais praças voltaram a tingir-se de vermelho, com o S&P 500 a afundar mais de 1%. E uma recessão da economia americana parece cada vez mais inevitável, ao mesmo tempo que, na Europa, as empresas tentam encontar rapidamente alternativas a um mercado que, durante os últimos anos, foi demasiado apelativo para não se aproveitar.

A verdade é que este contexto nos deixa a todos confusos, receosos e sem muita vontade de enfrentar o difícil caminho que, sabemos, temos pela frente. Sobretudo porque estamos cansados – e não é para menos, tendo em conta o que têm sido as convulsões dos últimos anos.

E é por isso que, nesta altura, é mais importante do que nunca termos a capacidade de ouvir, de refletir e de evitar reagir a quente – como aconteceu com os nossos governantes, que mais pareciam envolvidos numa briga de recreio da escola do que em sérias e serenas negociações para que o país não se juntasse ao grupo dos que está mergulhado em instabilidade.

Sendo este o cenário que temos, pouco se pode fazer sobre isso. Mas há muito que se pode fazer diariamente: podemos todos pensar mais antes de falar – mesmo que com os nossos colegas do lado ou com as nossas famílias – e trabalhar para um ambiente mais tranquilo na sociedade; podemos reconquistar a capacidade de escuta e de empatia; podemos evitar viver apenas nas nossas bolhas e colocar os olhos nas outras que se movem ao nosso lado – dessa forma, conseguiremos ver com mais clareza que realidade nos rodeia. Podemos, também, dar sinais de confiança às nossas empresas, dando primazia ao consumo de produtos nacionais e europeus. E podemos, acima de tudo, combater o cansaço e ouvir com atenção a campanha eleitoral que agora se aproxima, para voltarmos às urnas com sentido de dever e de responsabilidade.

É essa a maior arma que a Democracia nos dá. Em tempos de guerra, temos o direito e o dever de usar as melhores armas que temos ao nosso dispor. Nesta guerra contra a instabilidade e a incerteza, tenhamos a confiança para nos fazermos ouvir nas mesas de voto. E, todos juntos, mostrarmos que seremos mais fortes do que qualquer instabilidade que nos queira fazer cair.

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