Crise na Habitação: Projetar habitação colectiva é projetar comunidade

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Enquanto arquitecta, deparo-me com a relação intimista, e muitas vezes ilógica, que as pessoas têm com a sua casa. Com a importância que a casa tem para todos nós. A casa é o espaço onde se constrói identidade, segurança e bem-estar — pilares essenciais da satisfação humana e da coesão social.

Quando o acesso à habitação se torna um privilégio, a justiça social fica comprometida, logo entendo que, garantir o direito a uma habitação digna, segura e energeticamente eficiente é uma responsabilidade coletiva. As políticas públicas devem promover soluções que respondam à diversidade de realidades e necessidades, assegurando que ninguém é excluído do direito a um lar por razões económicas.

A arquitecta Helena Roseta, no seu livro mais recente “A habitação e o direito à cidade ", afirma que a habitação não pode ser encarada como um luxo, mas como “(...) um direito fundamental que deve ser garantido a todos, independentemente da sua condição económica". Concordo com essa visão. É urgente implementar medidas estruturais que travem a precariedade habitacional e fomentem a reabilitação, a eficiência energética e o equilíbrio urbano.

As políticas de investimento em habitação social ou a custos controlados praticamente desapareceram. Pedir aos privados que façam esse investimento não é exequível, tendo em consideração os custos e a dificuldade em licenciar projectos. Uma parte importante para desbloquear a construção de mais habitação é a desburocratização. Apesar das intenções do chamado “Simplex Urbanístico”, a realidade mostra que os processos de licenciamento continuam complexos e, em muitos casos, mais morosos do que antes.
Esta burocracia excessiva trava o investimento, desincentiva tanto a reabilitação como a construção nova e fragiliza a resposta às necessidades habitacionais urgentes.
É imprescindível promover um diálogo franco entre os privados e as câmaras municipais, de forma a tornar os processos de licenciamento mais transparentes, previsíveis e eficientes.
A simplificação administrativa não pode ser apenas um slogan — deve ser uma prioridade política real, sustentada em cooperação institucional e confiança mútua.


Hoje, mais do que nunca, o arquiteto deve contribuir para modelos habitacionais resilientes, inclusivos e adaptados às novas dinâmicas sociais, demográficas e ambientais. Projetar habitação colectiva é projetar comunidade. É pensar em espaços que promovam convivência, conforto e eficiência energética, sem perder de vista a dimensão estética e simbólica que dá sentido ao habitar. Planear e simplificar são verbos essenciais para transformar o modo como construímos o nosso parque habitacional — e o papel dos arquitetos, dos municípios e do Estado é garantir que todos têm, efetivamente, um lugar a que possam chamar casa.

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