Portugal não sofre de falta de conectividade. Sofre de falta de apropriação. A transição digital já não se decide por cabos ou antenas, mas por competências, adesão, acessibilidade e relevância. O próximo desafio é humano, não tecnológico.O mais recente relatório da Comissão Europeia sobre a Década Digital traça um retrato claro: o país dispõe de uma infraestrutura sólida, mas essa capacidade instalada não se traduz numa utilização efetiva por parte da população e das empresas.Em 2025, Portugal conta com cobertura quase total de redes 5G e de alta velocidade, além de 27 infraestruturas de edge computing - capazes de processar dados localmente, reduzir latência e suportar aplicações que exigem resposta em tempo real. Essa base tecnológica coloca o país numa posição avançada na Europa. Ainda assim, há um desfasamento preocupante entre o que está disponível e o que é, de facto, usado.Apesar das condições favoráveis ao empreendedorismo digital e dos apoios ao investimento, a adesão a tecnologias avançadas - como a inteligência artificial - continua abaixo da média europeia. E se Portugal tem vindo a formar mais especialistas em TI, falta algo mais profundo: literacia digital no quotidiano.A maioria da população não domina competências digitais básicas. E isso não é um detalhe. É um travão ao crescimento económico, à inovação e à competitividade. Toda a gente tem smartphones, mas será que os usa para trabalhar melhor, aprender mais ou consumir com mais critério? Enquanto persistirem desigualdades - especialmente entre idosos, pessoas com baixa escolaridade e populações rurais - continuaremos a investir em tecnologia sem colher o valor que ela pode gerar.Este é o verdadeiro desafio: transformar conectividade em utilização produtiva. Para isso, não basta vender tecnologia. As empresas devem assumir um papel ativo na capacitação digital dos seus colaboradores, clientes e comunidades.A conclusão do relatório é clara: a infraestrutura está montada, mas sem uso efetivo não há progresso real. A próxima fase da transição digital exigirá mais do que redes e equipamentos. Vai exigir competências, envolvimento e propósito. Portugal não enfrenta um défice de acesso. Enfrenta um défice de apropriação.*CEO da GMS Store