Do debate político à ação concreta: construir confiança no digital
A Declaração Ministerial D9+, assinada na semana passada, em Amesterdão, marca um novo impulso político para a liderança digital da União Europeia. Sob a presidência semestral dos Países Baixos, esta coligação de 13 Estados-Membros — Bélgica, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, Irlanda, Luxemburgo, Países Baixos, Polónia, Portugal, República Checa e Suécia — reforçou o seu compromisso em acelerar a transformação digital e promover a soberania tecnológica europeia.
A aceleração digital é inevitável, mas a forma como a Europa a conduz — regulando sem asfixiar, inovando com responsabilidade e protegendo quem é mais vulnerável — determinará o seu lugar na nova economia global. O D9+ é, neste contexto, mais do que um fórum de alinhamento político: é um espaço de liderança partilhada, onde se decide o futuro do projeto digital europeu.
A declaração identifica dois eixos prioritários. Por um lado, a necessidade urgente de rever o enquadramento legal relativo a cookies e tracking online, num esforço para combater práticas intrusivas, como o rastreamento abusivo de menores, e mitigar fenómenos como a “fadiga do consentimento” e os chamados dark patterns. Por outro, o compromisso com a concretização do potencial das carteiras digitais europeias (EUDI Wallets), instrumentos com capacidade para simplificar a vida de cidadãos e empresas, reduzir burocracia e garantir uma identidade digital europeia segura, interoperável e amplamente adotada.
O debate ganhou eco imediato junto do setor empresarial. A coligação de startups S9+ alertou para o impacto negativo da proliferação regulatória na competitividade da Europa e propôs medidas concretas: criação de um “28º regime” regulatório digital, implementação de regulatory sandboxes e maior previsibilidade legislativa. Em paralelo, a coligação B9+, que reúne as confederações empresariais dos países D9+, veio defender a conclusão do Mercado Único Digital, a eliminação de barreiras internas à competitividade e uma regulação mais coerente, proporcional e promotora de investimento em competências, I&D e infraestruturas críticas. Ambas as coligações convergem na necessidade de um quadro legal europeu que crie condições reais para que as empresas — emergentes ou estabelecidas — possam crescer, inovar e competir globalmente.
Na esfera pública, a recente série Adolescência, da Netflix, veio generalizar a reflexão e mediatização dos impactos sociais da transformação tecnológica. Retrata de forma crua as suas consequências no quotidiano dos mais jovens e expõe questões de privacidade, influência digital e fragilidade emocional num ecossistema online não regulado. A preocupação dos ministros D9+ com a proteção dos direitos digitais das crianças — incluindo o combate ao tracking abusivo e à exposição a conteúdos nocivos — demonstra uma consciência política crescente sobre a urgência de salvaguardar os mais vulneráveis no ambiente digital.
Tal como já tinha sido explorado neste espaço há dois meses, com a presidência portuguesa do D9+ no horizonte, há agora a oportunidade de concretizar esta visão mais pragmática, centrada na competitividade, inovação e confiança. Portugal poderá posicionar-se como facilitador de um novo ciclo digital europeu — mais eficiente, ágil e focado nos resultados.