Flexibilizar ou estagnar?

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O Governo anunciou a intenção de flexibilizar a lei laboral, com o intuito de garantir maior autonomia aos trabalhadores e adaptar o mercado de trabalho à economia digital. Entre as propostas, destacam-se a possibilidade de os trabalhadores “comprarem dias de férias”, a flexibilização dos regimes de horário de trabalho e a regulamentação diferenciada para o teletrabalho, para o trabalho em plataformas digitais e outras formas de trabalho emergentes.

No geral, parecem-me propostas pertinentes e auspiciosas, considerando os desafios que o mercado laboral enfrenta com a disrupção tecnológica. A IA, o big data, a Internet das Coisas e muitas outras tecnologias estão a mudar profundamente quer a forma como as organizações operam, inovam, tomam decisões e alcançam resultados, quer a forma como o trabalho é realizado, aferido e materializado. Faz, pois, todo o sentido, por um lado, dar às empresas maior agilidade para enfrentarem a nova dinâmica económica e, por outro, dar aos trabalhadores capacidade para se adaptarem às mudanças laborais.

No fundo, trata-se de modernizar o mercado laboral, adaptando-o às formas de trabalhoemergentes. Creio, porém, que isso não chega: o Código do Trabalho necessita de alterações mais profundas. Bem sei que, desde a sua criação em 2003, este código já foirevisto e alterado várias vezes. Mas são recorrentes os apelos das organizações internacionais, como a Comissão Europeia e a OCDE, para a flexibilização da legislação laboral e consequentemente da organização do trabalho, desde a contratação àprestação das atividades. Flexibilização, essa, que é vista como um incentivo à produtividade e competitividade da economia e à sua capacidade de criação de emprego.

O mercado de trabalho português permanece fortemente segmentado entre trabalhadores efetivos e trabalhadores a prazo. Os trabalhadores com contratos sem termo beneficiam de um dos mais altos níveis de proteção da Europa, o que incentiva o trabalho a termo. O despedimento com justa causa ou por extinção do posto de trabalho continua a ser juridicamente complexo e arriscado para o empregador, ao mesmo tempo que a contratação permanente exige processos administrativos e legais demorados. A legislação laboral portuguesa incentiva os contratos a termo e os falsos recibos verdes, enquanto protege exageradamente os trabalhadores que estão dentro do mercado de trabalho e, simultaneamente, impede a entrada dos que estão fora.

Perante isto, há que clarificar as condições objetivas que permitem a uma empresa dispensar, por imperativos económicos e financeiros e de desempenho (do trabalhador),um trabalhador com contrato permanente. Devido aos entraves colocados à dispensa de trabalhadores, nomeadamente jurídicos e pecuniários, as empresas retraem-se na hora de empregar novos trabalhadores.

Não se trata de facilitar os despedimentos ou de empoderar os empresários à custa dos trabalhadores. Mas, sim, de encontrar um equilíbrio entre a autonomia e a capacidade de gestão das empresas e a estabilidade, o bem-estar e as oportunidades dos trabalhadores. É necessário simplificar a legislação, diminuir a rigidez da contratação permanente e atualizar os contratos coletivos para elevar os salários, melhorar a produtividade, reduzir o desemprego jovem e de longa duração, a fuga de talento, o desajuste entre oferta e procura de competências e a falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional. 

Presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal

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