Guerra tarifária, um meio para manter hegemonia?

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As guerras comerciais geralmente terminam com pouco sucesso. Nos Estados Unidos, nesta nova era de Donald Trump, parece incontornável a expulsão de produtos importados por via de taxas alfandegárias proibitivas e que supostamente serve à produção doméstica. Se por um lado a narrativa suporta uma tese protecionista que à primeira vista parece benigna e afirmativa da economia norte americana, por outro lado e quanto aos resultados do que até agora é possível projetar, a realidade é mais discutível.

Numa primeira evidência discutível, e voltando ao primeiro mandato de Trump, a ofensiva tarifária dos EUA em 2018 foi dirigida principalmente à China, cujos enormes excedentes, tanto quanto seu progresso na cadeia de valor (particularmente no setor de comunicações), preocupavam os norte americanos. Como resultado, o comércio americano adaptou-se, deixando aparentemente menos espaço para a China, mas mais para vários países de ligação indireta, como o México ou Vietname, onde a China encontrou espaço para se redistribuir.

No final do dia, os Estados Unidos não conseguiram reduzir, nem seus défices comerciais, nem sua dependência de setores-chave (como produtos químicos, metalurgia ou componentes eletrônicos), que ficou patente num estudo recente do CEPII (Centre d'études prospectives et d'informations internationales) e que mostra que os norte americanos aumentaram ainda mais a dependência externa em alguns sectores – sobretudo metais, químicos e minérios que de forma agregada subiram cerca de 2%, de 2018 pra 2024 , passando a pesar 14% no total das importações.

A segunda evidência é a segunda ofensiva, e que está atualmente em pleno andamento, não perspetiva consequências mais felizes que a anterior. A economia dos EUA, embora não seja muito aberta ao comércio, uma vez que as trocas de bens representam apenas 10% do valor medido pelo PIB, continua a ser sensível à tributação das importações, dado seu baixo grau de substituibilidade. De acordo com algumas estimativas do FMI (Fundo Monetário Internacional), um choque tarifário pode vir a deprimir as exportações quase tanto quanto as importações, uma vez que estas últimas são indispensáveis às primeiras, e os Estados Unidos também sofreriam retaliações; a componente mais afetada da procura interna não seria o consumo privado, mas sim o investimento empresarial, enquanto que o efeito redistributivo (entre sectores ou estados norte-americanos) seria negligenciável, mas a perda de atividade , essa poderia ter um caracter mais permanente.

Por fim, certamente que muito destas novas regras do jogo do comércio internacional norte americano têm um ângulo diplomático. É bem provável que boa parte destas ameaças tarifárias sejam um meio negocial económico tático para atingir fins estratégicos estruturais de manutenção da supremacia económica e geopolítica a nível global, sobretudo face à China. De qualquer forma, poderão ter custos, que são também, também estruturais sobre a forma como as nações se relacionam, e afetar sem dúvida a capacidade de coordenação em torno de temas globais, como o da sustentabilidade ambiental.

*Luís Tavares Bravo, economista e Presidente do Internacional Affairs Network

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