Portugal tem vindo a consolidar, nas últimas décadas, uma reputação como país digitalmente avançado. Dispomos de uma das melhores coberturas de 5G e fibra ótica da Europa e de uma sociedade que valoriza a digitalização: 71% dos portugueses acredita que os serviços digitais facilitam a vida e 87% defende que o desenvolvimento da IA deve respeitar direitos e valores. Contudo, quando analisamos a adoção efetiva da Inteligência Artificial (IA) nas empresas e as competências da população, a realidade revela um atraso estrutural preocupante.Em 2024, apenas 8,6% das empresas portuguesas utilizavam IA, face a uma média europeia de 13,5%, e muito aquém da meta de Bruxelas de 75% até 2030. A diferença entre PME e grandes empresas é gritante: apenas 7,9% das PME usam IA, contra 41,9% das grandes. As causas são conhecidas: escassez de talento especializado, limitações financeiras e ausência de modelos de negócio escaláveis e sustentáveis. Também noutras tecnologias complementares os números desapontam: só 32,3% das empresas usam cloud e 38,6% recorrem a data analytics. Sem estratégias integradas, os projetos-piloto não geram impacto real. Esta fragilidade reflete o que o estudo MIT NANDA 2025 chamou de “GenAI Divide”: 95% dos projetos empresariais de IA falham em gerar retorno; as empresas experimentam, mas não integram; e a ausência de sistemas que aprendam, retenham contexto e se adaptem às operações mantém a IA num plano simbólico, sem transformar processos nem resultados.O problema não é apenas de adoção empresarial. É, sobretudo, de competências. Apenas 32% dos jovens entre os 25 e 34 anos têm formação superior, face a 48% da média da OCDE. Mais grave: 38% dos adultos entre os 25 e 64 anos não concluíram sequer o ensino básico (o dobro da média da OCDE). Mesmo entre os que estudaram, o défice de competências persiste: 46% dos adultos têm dificuldade em compreender textos e números, limitando-se a frases simples. No digital, apenas 56% da população possui competências básicas, ligeiramente acima da média europeia, mas ainda longe do necessário para competir numa economia de dados.Sem enfrentar este atraso estrutural, qualquer estratégia nacional para a IA será sempre incompleta. Corremos o risco de criar uma economia a duas velocidades: uma elite digital qualificada e uma maioria condenada à marginalização tecnológica.Ainda assim, há sinais positivos. Cresce o número de especialistas em TIC, incluindo mulheres. O país lançou iniciativas estratégicas como o modelo de linguagem Amália, adaptado à língua e cultura portuguesas, e participa na candidatura europeia para uma AI Factory, destinada a apoiar PME, Administração Pública e investigadores. Além disso, 21% do PRR (4,5 mil milhões de euros) foi alocado a iniciativas digitais, incluindo IA, cloud soberana, laboratórios colaborativos e hubs de inovação. O Governo assumiu o combate à burocracia e lançou uma Agenda Nacional para a IA, integrada na Estratégia Digital Nacional, juntamente com uma Reforma do Estado centrada na simplificação, digitalização e uso da IA para aproximar o Estado do cidadão.Tudo isto revela ambição. Mas sem atacar a base - que inclui a literacia digital, educação e requalificação - qualquer AI Factory ou modelo nacional arrisca ser apenas uma montra. Há, por isso, três prioridades inadiáveis: capacitação ao longo da vida, desde a escola básica até à formação contínua; escala real, apoiando as PME na transição de pilotos para soluções sustentáveis; e soberania digital, tratando conectividade, cloud e dados como ativos estratégicos.Portugal já provou que sabe inovar e exportar tecnologia. Pode agora liderar a próxima vaga digital. Os meios existem e a ambição também. O que não podemos perder é tempo.