Liderar cansa. E então?
Admitir que liderar cansa pode soar como uma heresia moderna — mas é, talvez, a verdade mais urgente que todos temos de ouvir. Porque liderar — esse verbo tantas vezes romantizado — continua a ser visto como uma missão de estoicismo inquebrantável.
Converso com líderes todas as semanas – CEOs, Administradores, Sócios- fundadores de empresas, Quadros de Alta Direção – e há frequentemente uma nota comum, ainda que muitas vezes sussurrada: estão cansados. Às vezes, mesmo, esgotados.
Não é um cansaço que um fim de semana prolongado resolva. É outro. É o desgaste de ser motor e bússola, psicólogo e escudo, inspiração e tomada de decisão — tudo ao mesmo tempo, todos os dias. É liderar com a reserva de energia a piscar em vermelho, sem espaço para admitir fraqueza ou pedir tempo.
Vivemos tempos em que o burnout das equipas ocupa, com justiça, o centro das atenções. Mas sobre o burnout da liderança continua a pairar um silêncio espesso. Como se, lá por cima, o ar fosse mais leve. Não é. Pelo contrário: é mais rarefeito, mais solitário, e muitas vezes mais tóxico. E ignorar isso não é bravura — é negligência. O silêncio da liderança só agrava o problema. Quando um líder “aguenta calado”, não está a proteger a equipa nem a empresa — está a comprometer a sua saúde, a clareza nas decisões e a sustentabilidade da própria organização.
Vemos líderes a tomar decisões em piloto automático, a perder clareza, a reagir em vez de agir, a cortar no que é humano por falta de espaço mental. Vemos, acima de tudo, um isolamento crescente. Porque não sabem com quem falar. Porque têm medo de preocupar os pares, de dececionar as equipas ou de parecer menos capazes.
O esgotamento da liderança manifesta-se como o de todos os outros: exaustão emocional, distanciamento e queda na eficácia. Mas ao contrário do que se prega, não é falta de resiliência. É excesso de exposição. É fingir superpoderes quando o mais humano — e inteligente — seria parar, delegar, pedir ajuda.
Se me permitem, deixo aqui uma provocação construtiva: e se liderar também pudesse incluir saber parar, delegar, pedir ajuda? E se o verdadeiro sinal de força fosse reconhecer os próprios limites e agir antes do colapso?
Liderar é um ato de presença. Mas ninguém pode estar presente se estiver esgotado. Cuidar de si – da cabeça, da energia, da motivação – não é egoísmo. É responsabilidade.
Será que não está na altura de invertermos a lógica? De reconhecermos que um líder que assume os seus limites não perde autoridade — ganha legitimidade? Que parar para respirar não é abdicar do lugar — é prepará-lo para ser ocupado com mais foco, mais presença, mais lucidez?
Cuidar de si — da mente, da energia, da motivação — não é egoísmo. E talvez o verdadeiro ato de liderança hoje seja conseguir dizer: “não sei”, “preciso de parar”, ou até “não estou bem”.
E sabe que mais? Isso não o torna menos Líder. Torna-o mais real.
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