Mais formação, melhor emprego
Não é uma questão de copo meio cheio ou meio vazio, de otimismo ou pessimismo: a análise ao mais recente policy paper da Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenado por Rui Baptista, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, vai além dessa dicotomia. Por um lado, 35,7% do emprego em Portugal corresponde a profissões – agrupadas no chamado “terreno dos humanos” – que não serão substituídas pela automação, mas que também não beneficiarão da digitalização. Falamos de trabalhadores da limpeza doméstica, de escritórios e hotéis, técnicos de atividade física e agricultores qualificados. Estas são profissões que exigem presença física e competências interpessoais ou práticas, mas que, por não estarem expostas à inteligência artificial (IA), correm o risco de estagnar no acesso ao valor económico que a tecnologia está a gerar noutros setores.
Por outro lado – e foi por aqui que a maioria dos jornais pegou – 28,8% das profissões estão em “colapso”, ou seja, fortemente ameaçadas pelo impacto da IA e da automação. São empregos onde as tarefas são mais rotineiras e repetitivas, e por isso mais facilmente substituíveis por máquinas ou software. Vendedores, operadores de introdução de dados, trabalhadores de armazéns ou de serviços básicos são alguns exemplos. A ameaça aqui é real: à medida que as empresas apostam na eficiência tecnológica, milhares de trabalhadores podem ver os seus postos de trabalho desaparecer ou transformarem-se radicalmente.
Devemos ter medo? Antes de responder, vale a pena sublinhar que uma aposta no aumento da literacia digital e na compreensão das tecnologias de IA ajudaria todos, enquanto sociedade, a lidar melhor com este fenómeno. Mas, respondendo à pergunta: depende, em grande medida, da tomada de consciência de cada trabalhador quanto à necessidade de requalificar as suas competências. É verdade que esta é uma responsabilidade individual, mas também cabe às empresas valorizar a formação profissional e promover uma cultura de aprendizagem contínua. E não só: cada vez mais temos de pensar na formação ao longo da vida, que nada mais é do que irmos estudando para nos mantermos atualizados, adquirirmos novas competências e progredirmos à medida que as tecnologias emergentes entram em força nas nossas vidas. Qualquer movimento de transformação exige um período de readaptação.
Mas é urgente a necessidade de políticas públicas ambiciosas, não só para garantir o acesso à formação e à reconversão profissional, como para mitigar riscos de exclusão em regiões do país mais expostas à automação. O fenómeno é global, não se pense que está circunscrito à nossa geografia. Até 2030, estima o relatório The Future of Jobs 2025, serão criadas 170 milhões de novas funções e extintas 92 milhões. “Tendências como a IA generativa e mudanças tecnológicas rápidas estão a revolucionar setores e mercados de trabalho, criando oportunidades sem precedentes e riscos profundos”, explica Till Leopold, diretor de Trabalho, Remunerações e Criação de Empregos do Fórum Económico Mundial. “Chegou a hora de empresas e governos se unirem, investirem em qualificação e criarem uma força de trabalho global equitativa e resiliente.”
A revolução do reskilling urge em Portugal. O policy paper é claro neste ponto, ao enfatizar a necessidade de implementar medidas de proteção social direcionadas e incentivos à requalificação, em especial para profissões mais expostas à disrupção tecnológica. Isso permitirá mitigar vulnerabilidades e reduzir disparidades salariais. O Governo tem a obrigação de não abandonar esta força de trabalho à medida que a digitalização, a IA e a automatização ganham terreno.
Mas, por outro lado, no campo da formação, é preciso atualizar rapidamente os currículos académicos para que correspondam também a esta necessidade de competências técnicas. E não esquecer a importância crescente, também, de aquisição de competências interpessoais – como a comunicação, a criatividade, a colaboração e a resolução de problemas. Estas últimas são mais difíceis de automatizar e continuam a ser decisivas para a empregabilidade a longo prazo.
O futuro não está escrito – e é precisamente por isso que a decisão mais importante que podemos tomar agora é não ficar à espera.