Milagre

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Nos estudos sobre o papel da gestão avultam algumas regularidades. Duas delas têm um denominador comum: as empresas familiares e as empresas públicas tendem a ter piores desempenhos do que as restantes. No entanto, quando o critério do sangue ou do cartão partidário dá a vez à, ou é conjugada com, a competência profissional, as diferenças desvanecem-se. No caso das empresas de matriz familiar, a prevalência de uma visão de longo prazo, se combinada com processos de gestão apropriados pode, até, tornar-se virtuosa. O mesmo, admite-se, poderia acontecer nas empresas públicas, mas os ciclos políticos e a pressão clientelar, tornam difícil tal acontecer. As exceções contam-se pelos dedos. Um dos poucos casos que conheço envolve a gestão do porto de Leixões por Ricardo Fonseca, que um grande senhor da vida pública (Valente de Oliveira), ponderado o que havia sido alcançado, reconduziu, não obstante as pressões para o substituir. Aquele que era um “patinho feio” entre os portos nacionais, sairia desse consulado transformado e muito mais competitivo.

A roda-viva nas administrações das unidades de saúde é, por isso, preocupante. O setor da saúde absorve recursos substanciais. O seu papel vital na garantia dos equilíbrios sociais exige um cuidado acrescido na forma como esses fundos são geridos. Até aqui, estaremos todos de acordo. Só que, vai-se a ver e a prática parece ser um “case study” do que não deve ser feito: a suborçamentação é crónica, limitando a possibilidade de planeamento e de responsabilizar a gestão das unidades de saúde; as equipas de gestão são substituídas sem outra avaliação que não seja a confiança política, um despautério insultuoso para todos os que possam fazer da gestão hospitalar a sua profissão, qualquer que seja a sua opção política, e o contrário do que as boas práticas recomendam; as disparidades de custos por doentes perpetuam-se, sem explicação, não sendo óbvio que, atentas as regras de orçamentação, não haja um benefício para os infratores; não se conhece uma política de incentivos digna desse nome. Assim, só por milagre!

*Alberto Castro é economista e professor universitário

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