Nem os pinguins escapam à fúria tarifária

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E o proclamado “Dia da Libertação” chegou. Ou talvez não. Talvez só daqui por 90 dias. Talvez só para a China. Talvez, talvez, talvez… Com Donald Trump nunca se sabe o que virá a seguir. E isso é sempre de mau agoiro tratando-se do Presidente da maior potência económica, capaz, como vemos, de deixar em suspenso o comércio global, de lançar a confusão nos mercados, de perturbar as cadeias de abastecimento e de minar a confiança de consumidores, investidores e empresas.  

Apesar da pausa de 90 dias para quem não retaliou os EUA, a ameaça de uma guerra comercial em larga escala paira no ar. A concretizar-se, ninguém escapará à fúria tarifária de Trump: aliados históricos, parceiros comerciais, nações subdesenvolvidas, ilhas habitadas por pinguins. É difícil encontrar alguma racionalidade económica na intenção da Administração americana, mas tão-só uma exibição de força contra a globalização e a profissão de fé no America First.

A ideia de que Trump quer vergar o mundo aos interesses americanos ganha tração com esta pausa de 90 dias. Parece haver abertura para negociar as tarifas, embora deixando de fora o grande adversário comercial dos EUA, a China. Resta saber se em possíveis negociações, nomeadamente com a Europa, Trump usará de proporcionalidade e bom senso ou se tentará, como na Ucrânia, subjugar as partes contrárias com a sua art of the deal aprendida no agressivo mercado imobiliário americano.

Sabendo-se da alergia que Trump tem à proporcionalidade e ao bom senso, é melhor prepararmo-nos para o pior. E o pior é a imposição de tarifas à Europa baseadas em contas criativas, que juntam na mesma equação o valor do défice comercial e o valor total de bens importados. Graças a esta fórmula rebuscada, a UE deve preparar-se para tarifas na ordem dos 20% e definir uma estratégia conjunta para proteger os interesses europeus. 

A resposta aos EUA deve ser juridicamente sólida, diplomaticamente inteligente e politicamente pragmática. Juridicamente sólida significa o estreito cumprimento das regras do comércio internacional, para que a Europa não perca credibilidade e autoridade nesta matéria. Diplomaticamente inteligente significa abertura a soluções negociadas com os EUA, considerando a importância comercial do mercado americano, os potenciais efeitos disruptivos nas cadeias de valor e o aumento de custos para consumidores e empresas europeias. Politicamente pragmática significa ter ponderação numa eventual retaliação, encontrando alvos concretos para o agravamento de tarifas que penalizem os EUA mas salvaguardem os interesses europeus.   

Portugal não deve, porém, estar à espera de uma resposta europeia, que pode chegar em passo de caracol, como é hábito. Há muita coisa em jogo para a economia portuguesa: os EUA são o nosso quarto maior cliente de bens, com um peso total nas exportações de 6,7%. Além disso, vendemos para outros países que exportam para os EUA, como a Alemanha, pelo que o efeito das tarifas se vai sentir nas nossas exportações de forma direta e indireta.

Devemos tomar imediatamente medidas que protejam a economia do desvario tarifário, como o reforço dos apoios públicos à diversificação de mercados ou a abertura de linhas de crédito com garantia pública para empresas exportadoras. De resto, o recém-anunciado programa Reforçar vem ao encontro de algumas destas propostas. 

Tal como na crise pandémica, Portugal e Europa devem continuar a atuar com rapidez, foco e de forma concertada.  

Armindo Monteiro é presidente da CIP

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