O Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho (SST) é uma chamada urgente à construção de culturas organizacionais sobre o pilar da prevenção. Como construir essa cultura quando a própria noção de trabalho está a ser reconfigurada pela Inteligência Artificial (IA) e pela automação, pondo em causa os sentidos e significados do trabalho humano na identidade individual e coletiva? Com suporte na ciência e sob as bússolas da ergonomia e da psicologia, a promoção da SST deve assentar em abordagens multidisciplinares, no compromisso ético das lideranças e na escuta ativa dos sujeitos que constroem a sua segurança e saúde.A velocidade exponencial da transformação tecnológica traz promessas de eficiência e produtividade, mas gera incertezas. Há ganhos evidentes, sim, mas o deslumbramento com as novas tecnologias corre o risco de cegar o pensamento crítico e gerar insegurança, ansiedade e stress. Estarmos, permanentemente, agarrados à tecnologia compromete a privacidade e o equilíbrio emocional. Geoffrey Hinton, uma das vozes mais respeitadas da IA, alertou para os perigos “assustadores” destes sistemas. Que dimensões psicossociais estavam subjacentes?Estamos preparados para viver num mundo em que os sistemas digitais reproduzem e ousam superar capacidades humanas? A promessa de libertação de tarefas perigosas e rotineiras é sedutora, mas quem assegura que essa transição não venha acompanhada de exclusão e sofrimento? O alerta já foi dado: aumento das desigualdades e novas formas de exclusão profissional e social como efeitos colaterais da digitalização mal gerida.A digitalização e a IA trazem novos riscos psicossociais. A ergonomia cognitiva alerta para a sobrecarga mental e desadaptação funcional. As respostas ao ritmo acelerado, a escassez de recursos e a sensação de perda de controlo estão a minar o bem-estar dos trabalhadores. A IA pode ajudar a prevenir erros, a detetar anomalias, mas não substitui as competências humanas: experiência, empatia, improvisação, decisão sob pressão e julgamento ético. No entanto, os riscos não são apenas tecnológicos. Os profissionais da SST enfrentam contradições entre prescrições normativas e práticas reais e a SST precisa de se adaptar e escutar ativamente quem vive o “real do trabalho”. O Foresight (2025) antecipa novos riscos laborais e sociais e sublinha a importância de mitigar desigualdades criadas pela digitalização.Embora haja benefícios da IA na SST: prevenção proativa e otimização de processos, consideramos efeitos colaterais a desvalorização da experiência empírica e a redução da vigilância humana. Vivências anteriores de adaptação tecnológica não se comparam à atual perceção de descontrolo e intensificação das exigências cognitivas e emocionais. A subjetividade mediada pela tecnologia fragmenta-se entre visões entusiastas e discursos céticos.Além da regulação global, não esquecer que os agentes de SST, da linha da frente, sabem bem o quanto as boas intenções esbarram em prioridades desalinhadas. O discurso da inovação não pode silenciar os impactos reais no dia a dia sobre a segurança, o bem-estar e saúde.Exige-se literacia digital, formação contínua, transparência e ética. Nenhuma inovação deve sacrificar a dignidade do trabalho humano. Se errar é humano, prevenir o erro é, e continuará a ser, uma responsabilidade profundamente humana.*Adélia Monarca é Professora Auxiliar convidada da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa (FEP-UCP)