Não há mísseis grátis

Publicado a

Mais de três anos de invasão russa na Ucrânia não conseguiram trazer para a campanha eleitoral das últimas legislativas um debate esclarecedor, ou sequer competente, sobre a necessidade de Portugal investir a sério na sua Defesa e na da Europa. Uma consulta rápida aos programas que AD e PS deram a ler aos portugueses antes de lhes pedirem o voto mostra o (pouco) interesse que as duas formações tinham em falar sobre o tema.

A entrada de um militar, o almirante Gouveia e Melo, na corrida a Belém não conseguiu (pelo menos até agora) motivar na sociedade portuguesa uma reflexão exaustiva sobre o contributo e o papel de Portugal na NATO, sobretudo na vigilância do Atlântico, ou do esforço que a população poderá ser chamada a fazer – económico e humano – para a defesa comum da Europa. Do que vimos, houve pouco mais do que algumas platitudes perguntadas a Gouveia e Melo sobre se defende o envio de rapazes e raparigas portuguesas para zonas de combate.

O mais recente reality show de Donald Trump na Haia, com o brinde inesperado de um secretário-geral da NATO em conversas desbragadas com o presidente americano, não foi capaz de nos motivar a iniciar a conversa que todos teremos de ter. Resume-se a isto: gastar muito mais (até 5% do PIB) em Defesa vai implicar cedências sérias no nosso modo de vida, no nosso Estado Social, nos serviços tendencialmente gratuitos que damos como certos. E para isso é quase certo que cederemos nas contas certas. 

O Conselho Orçamental da União Europeia sabe-o bem. Foi por isso que recomendou a Portugal (e a outros países) medidas específicas, um “plano sólido” a incluir já no OE para 2026, para compensar o previsível aumento da despesa em Defesa. É que, apesar do esforço dos anos recentes, Portugal é o sexto país da UE com a dívida pública mais elevada.

Portugal terá de incluir medidas específicas, um “plano sólido”, já no OE para 2026, para compensar o previsível aumento da despesa em Defesa 

Há razões para que os portugueses sintam que nada têm a ver com o que se está a passar na Ucrânia, no Irão, em Gaza, na Síria e nos restantes “pontos quentes” do Médio Oriente, no braço de ferro no Pacífico com a China ou na fronteira Indo-Paquistanesa. Desde logo porque estamos na ponta extrema da Europa, a mais longe (entre todos os países da UE) da frente de batalha ucraniana, com uma vintena de outros países (muito mais fortes que nós) pelo meio. Para Portugal, o Estreito de Ormuz é apenas uma recordação histórica de quando, há 500 anos, nos batíamos por ele. A China é o local de onde mandamos vir coisas da Temu ou da Shein. E só uma pequena faixa da “bolha intelectual-mediática” toma posições informadas sobre o conflito israelo-palestiniano. O resto dos portugueses chora por um lado ou por outro consoante as imagens mais gráficas que vê na televisão.

Ou seja, a maior parte da população está preocupada em conseguir pagar as contas ao final do mês e com a segurança da sua família e do emprego. Os resultados das últimas eleições assim o demonstram. Se o compromisso de Montenegro e do Governo para com os 5% do PIB em Defesa é sério, alguém vai ter de dizer aos portugueses que vão ter de apertar o cinto para financiar armas, munições, carros de combate, navios e novos aviões. 

Ema suma, alguém terá de lhes dizer que não há mísseis grátis.

Diário de Notícias
www.dn.pt