O conflito Israel-Irão e os riscos económicos para a Europa e Portugal
A escalada militar entre Israel e o Irão, longe de se tratar de um episódio pontual ou de mais uma convulsão regional no eternamente instável tabuleiro do Médio Oriente, configura uma potencial inflexão histórica, tanto no plano geopolítico como no domínio da arquitetura económica global. A intensidade das hostilidades, a natureza existencial da ameaça percebida, o grau de envolvimento das principais potências mundiais, a relevância estratégica dos recursos energéticos em causa e a hipersensibilidade dos mercados internacionais a qualquer disrupção são fatores que, conjugados, tornam esta conjuntura uma verdadeira encruzilhada entre diplomacia e catástrofe, entre racionalidade tática e descontrolo sistémico.
Na altura em que escrevo estas linhas, os EUA bombardearam as principais instalações nucleares do Irão, com o Presidente norte-americano Donald Trump a congratular-se pelo sucesso da operação militar, tal como o Presidente de Israel, e os líderes iranianos a prometerem uma retaliação à altura.
Não pretendo antecipar o que se irá passar, mas os riscos são muitos, desde logo, a possibilidade de o conflito se alargar a nível regional ou mesmo internacional, pois os líderes iranianos deverão reunir proximamente com o Presidente da Rússia, com o qual estabeleceram uma aliança.
Rússia e China (também aliados), que haviam condenado os ataques recentes de Israel ao Irão – justificados pela iminência do desenvolvimento de bombas pelo programa nuclear iraniano e o risco existencial para Israel –, também o fizeram relativamente ao bombardeamento dos EUA e veremos se a partir de agora terão algum envolvimento, direto ou indireto, no conflito.
Faço notar que o aumento dos preços da energia é favorável à Rússia e ao Irão (ambos produtores de petróleo), mas não à China (um dos maiores importadores mundiais), pelo que devemos também observar as reações deste país.
Neste artigo foco-me num dos riscos económicos do conflito no Médio Oriente, o possível fecho do Estreito de Ormuz pelo Irão, uma arma de pressão poderosa que já ameaçou usar, podendo causar um choque petrolífero com consequências globais, incluindo para a Europa e Portugal.
O Estreito de Ormuz corresponde a uma pequena faixa de mar entre o Golfo Pérsico e o Mar de Omã, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial e mais de um terço de todo o crude transportado por via marítima. O Irão, que tem forças navais estacionadas na região, poderá utilizar o encerramento temporário do estreito como principal instrumento de coerção estratégica. O mero anúncio de tal intenção provocaria um disparo imediato dos preços da energia nos mercados internacionais, com ‘efeitos dominó’ sobre outras commodities e implicações inflacionistas de grande escala.
Num contexto em que as economias ainda recuperam dos efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia, um novo choque energético teria fortes repercussões.
A história económica mostra que os choques petrolíferos não se limitam a aumentar os custos da energia. Eles geram estagflação para os países importadores: uma combinação tóxica de inflação elevada com abrandamento ou contração da atividade económica. Os bancos centrais são obrigados a escolher entre conter a inflação – o que tem sido a melhor resposta – ou apoiar a atividade económica.
O BCE, com um mandato centrado exclusivamente na estabilidade de preços, ver-se-ia forçado a travar ou mesmo inverter a trajetória em curso de descida das taxas de juro, o que agravaria os encargos da dívida, penalizaria o investimento e pressionaria o consumo.
A Reserva Federal, com um mandato dual de máximo emprego com estabilidade de preços, tem maior flexibilidade, mas igualmente pouca margem de manobra nesta altura, pois a inflação está ainda acima da referência de 2% devido aos choques anteriores, tendo pausado a descida de taxas diretoras em 2025.
A União Europeia (UE) seria bastante afetada, com realce para a Alemanha e a Itália, por serem duas grandes economias com forte peso da indústria. O aumento abrupto dos custos de produção enfraqueceria ainda mais a competitividade externa da indústria europeia, já sob stress pela concorrência asiática e pelos custos ambientais da transição verde.
A subida dos preços da energia teria efeitos imediatos no custo de vida, gerando tensões sociais e reações políticas. A memória dos protestos em França e nos Países Baixos está ainda bem presente.
Em Portugal, os efeitos não seriam menos graves. Apesar do peso da indústria ser relativamente baixo, a economia seria bastante afetada via exportações pelo abrandamento ou contração da UE, o nosso principal mercado externo – tanto de bens como de serviços –, mas também o mercado interno seria afetado. A dependência da importação de combustíveis, em particular, torna a economia portuguesa bastante sensível a choques exógenos desta natureza, pois rapidamente a subida dos preços da energia origina uma nova vaga inflacionista.
Os efeitos económicos são a quebra do poder de compra, levando a uma retração do consumo, e o adiamento do investimento, num contexto de redução da confiança de famílias e empresas.
As exportações também são penalizadas, como referido, incluindo o turismo, que tem um forte peso na nossa economia e será afetado pela redução de poder de compra dos turistas, ainda que o efeito possa ser mitigado por um eventual desvio de turistas de zonas mais instáveis. Daqui decorre também a deterioração das contas externas, em conjunto com o aumento do custo das importações de bens, a começar pelos bens energéticos.
Do ponto de vista orçamental, um novo choque energético significaria pressão acrescida sobre as contas públicas. Menor crescimento económico implica, inevitavelmente, uma quebra na arrecadação fiscal, ao mesmo tempo que o aumento das taxas de juro agrava os encargos da dívida pública. A isto acresce a pressão para reforçar a despesa pública, através de apoios dirigidos às famílias e empresas mais expostas e vulneráveis — medida crucial para mitigar a perda de poder de compra, conter a provável subida do desemprego e prevenir o agravamento das tensões sociais.
A memória da resposta à crise energética de 2022 – na sequência da guerra na Ucrânia e fim da energia barata da Rússia – é elucidativa: foi preciso intervir com cortes temporários do ISP, apoios às famílias, mecanismos de compensação para sectores intensivos em energia e reprogramação de fundos europeus.
Tudo indica que uma resposta eficaz a um novo choque passará por instrumentos semelhantes, mas mais rápidos, mais focalizados e mais coordenados a nível europeu e com adaptações.
A aceleração/priorização do PRR em áreas como a eficiência energética, mobilidade elétrica e instalação de energias renováveis pode voltar a ser usada, mas será menos efetiva, pois nesta altura a pressão para executar até 2026 abre pouco espaço para priorizações. A transição energética não é apenas uma exigência ambiental, é uma condição para a soberania económica e pode ser acelerada.
Portugal deve preparar e reativar planos de contingência e linhas de apoio, e coordenar-se com parceiros europeus para mitigar os impactos de um eventual fecho do Estreito de Ormuz. Recordo que algumas das medidas europeias incluíram metas de poupança de energia, limitações temporárias aos preços da energia (com salvaguardas à estabilidade do mercado), reforço das compras conjuntas de gás e petróleo, e flexibilização das regras orçamentais e de auxílios de Estado para mitigar o impacto nos consumidores e empresas.
O conflito Israel-Irão é, na sua essência, mais do que uma disputa regional. É mais uma batalha por influência, dissuasão e sobrevivência num mundo onde a multipolaridade é uma realidade incontornável, ainda que enformada pela luta entre EUA e China pela hegemonia global.
Os efeitos do conflito, se não forem contidos, podem eclipsar os ganhos recentes da recuperação pós- pandemia, comprometer a estabilidade dos mercados e reabrir feridas ainda não saradas nas economias mais frágeis. A diplomacia internacional tem, neste momento, uma responsabilidade única: agir com realismo, com sentido histórico e com coragem política.
E Portugal, ainda que pequeno em dimensão, além de ter o dever de aumentar a sua resiliência a choques energéticos como este, não pode também virar a cara aos grandes desafios geopolíticos da década. O aumento da despesa com defesa deve, neste contexto, ser visto como um investimento em segurança futura, que devemos orientar para desenvolver a indústria de defesa nacional – e a indústria em geral, privilegiando o duplo uso civil e militar, e a incorporação de tecno – e maximizar o impacto na economia, melhorando, ao mesmo tempo, o seu perfil de especialização, como tenho defendido. Só assim poderemos preparar um futuro mais seguro, cumprindo compromissos mais ambiciosos perante NATO e UE em matéria de defesa, sem ter de escolher, a prazo, entre despesa militar e social.
Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF.
oafonso@fep.up.pt.
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