O dia em que o café arrefeceu e a luz se apagou

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Quando a eletricidade falhou, percebemos como é frágil a nossa vida digital. E talvez o maior risco não seja a tecnologia - seja a falta de preparação.


Era para ser uma manhã normal.

Sentei-me no café habitual, a meio da manhã, pedi o meu galão e, pela primeira vez em anos, não consegui pagar com o telemóvel. Nem com o multibanco. A luz piscava, a internet ia e vinha. No ar, pairava aquela estranha sensação de que algo estava muito errado.

Na mesa ao lado, alguém murmurava "foi ataque informático, de certeza". Mais à frente, ouvi outro dizer "são só avarias, não façam dramas".

Eu, com o café a arrefecer à minha frente, pensava apenas: E se fosse mesmo um ataque? Estaríamos prontos?

A versão oficial, essa, não demorou. Primeiro-Ministro, Centro Nacional de Cibersegurança, todos disseram que não — que o apagão não tinha origem em qualquer ação maliciosa. E quero acreditar nisso. Mas não consigo ignorar a coincidência: há apenas um mês, a União Europeia apelava à preparação para cenários de emergência, recomendando "kits de sobrevivência" domésticos.

Não sabemos se era um alerta para a guerra, para ciberataques ou para outro tipo de perturbação. O que sabemos hoje é que bastaram algumas horas de falha elétrica para abalar profundamente a nossa rotina e expor uma verdade desconfortável: somos mais frágeis do que gostaríamos de admitir.

Quando se estuda cibersegurança, aprendemos que os ataques sofisticados seguem um padrão: primeiro, a ameaça; depois, a demonstração de capacidade; e, por fim, o ataque real — aquele que não só incomoda, mas que paralisa.

Na segunda-feira, mesmo sem feridos ou danos permanentes, vivemos o suficiente para perceber como tudo pode mudar num piscar de olhos. Em poucos minutos, supermercados ficaram com prateleiras vazias, transportes pararam, hospitais entraram em alerta.

Felizmente, o caos foi passageiro. Mas a pergunta permanece: se fosse um ataque sério, estaríamos preparados?

E se o sistema energético nacional, com todas as suas defesas, pode ser abalado, quem garante que as pequenas e médias empresas portuguesas estão protegidas?

No mundo da nova economia digital, proteger dados, avaliar riscos e realizar auditorias constantes não é luxo. É uma necessidade básica, tão essencial como garantir o fornecimento de energia ou água.

Preparação não é apenas uma questão de empresas ou governos.
Cada um de nós, enquanto cidadão do século XXI, tem de abraçar a literacia digital como parte da sua vida — independentemente da idade.

Saber como agir em caso de falha tecnológica, compreender riscos básicos de cibersegurança e, acima de tudo, ter planos simples de contingência (desde contactos alternativos a fontes de informação seguras) pode fazer a diferença entre o pânico e a resiliência.

Num mundo cada vez mais interligado, a melhor defesa não é apenas tecnológica: é humana, consciente e informada.

Em Direito, ensina-se que quem pode o mais, pode o menos.
Se alguém tem capacidade para desligar um país, tem certamente capacidade para atacar as empresas que sustentam a nossa economia.

Enquanto bebia o último gole de café, já frio, só me restava pensar:

Desta vez foi "só" um incómodo. Mas, da próxima, poderá não ser.

*Este artigo foi escrito em coautoria. Embora narrado na primeira pessoa para preservar a experiência vivida, reflete a reflexão e análise partilhadas entre ambos os autores.


Tiago Cabanas Alves é advogado e especialista em Proteção de Dados.

Luís Almeida é especialista em transformação digital & AI.

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