O mercado não resolve tudo sozinho

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Em dezembro passado, um estudo publicado pela associação Causa Pública, dava conta de que é em Portugal que se vive uma das maiores crises habitacionais da Europa. A publicação, coordenada pelo economista Guilherme Rodrigues, explicava mesmo que o caso português foi “o que mais se deteriorou” em todos os 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e que, na última década, os preços de compra de habitação “mais do que duplicaram em Lisboa, Porto e Algarve”. Portugal é, também, dos países onde os jovens saem mais tarde da casa dos pais (em média, aos 29,1 anos, acima da média da União Europeia, segundo dados de 2023), um comportamento que não é alheio ao atual contexto imobiliário nacional.

O país tem, ainda, e segundo o mesmo estudo, “um dos menores parques de habitação pública e social da OCDE”, e que não sofreu qualquer expansão ao longo da última década”.

Todas estas variáveis, problemáticas numa sociedade que se quer desenvolvida, são elencadas pelo CEO da Century 21, em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo, e servem de justificação para as suas perspetivas relativas a 2025: o preço das casas, em Portugal, vai continuar a ser muito mais elevado do que aquilo que as pessoas podem pagar.

Há ainda outras questões que agravam o problema, como a falta de infraestruturas de mobilidade – se no Reino Unido ou em França vemos, facilmente, milhares de pessoas a viverem fora de Londres ou de Paris, e a entrar e a sair das capitais para trabalhar, todos os dias, em Lisboa isso é praticamente impossível. Não porque o país seja grande – não é! –, mas porque as alternativas ao uso de carro particular são praticamente inexistentes em muitos percursos. E quando existem são, não raras vezes, impraticáveis em termos de horários e de frequência.

Ora, Portugal é também dos países onde as pessoas mais horas trabalham, as crianças mais horas passam na escola e a qualidade do sono é pior... tudo questões que, muitas vezes, se resolveriam se se providenciassem soluções de fundo para um problema que, não só não é novo, como é de primeira necessidade: um país que não garante habitação para todos, não se pode dizer um país desenvolvido. Muito menos quando nesse país os preços das casas aumentam muito mais do que os rendimentos das pessoas.

É certo que a questão da habitação não é exclusiva de Portugal, mas os dados que mostram o seu agravamento deviam fazer soar todos os nossos alarmes. São anos de inação de sucessivos Governos, que têm apostado muito mais em medidas eleitoralistas, mas que pouco têm resolvido na vida dos portugueses. Num ano que vai ser particularmente desafiante para a economia nacional, era importante conseguir ver alguns sinais de esperança e de compromisso por parte dos governantes. Endereçar, com coragem e determinação, medidas como as que foram implementadas há anos na Suécia – onde o Estado tem uma política progressiva de rendas controladas; ou na Noruega, onde as pessoas com menos condições podem candidatar-se a apoios estatais que garantem que podem ter uma casa, cumprindo determinadas obrigações; ou mesmo na Alemanha, onde o Executivo tem um forte compromisso com as habitações sociais.

Ou seja, apesar de tudo o que se tem dito nos últimos anos sobre o investimento imobiliário em Portugal, parece agora ser bastante claro que não se pode deixar tudo nas mãos dos privados, e que o mercado não resolve tudo sozinho, como defendem alguns setores da sociedade. O problema do mercado habitacional não se vai resolver sem uma forte regulação e intervenção estatal, que coloque os interesses dos cidadãos acima de tudo. De todos os anos, 2025 seria o certo para isso acontecer. Nem que fosse para reduzir a desesperança e os níveis de desilusão dos portugueses com os seus governantes. Já não seria um mau princípio.

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