O preço da incerteza na transformação digital do Estado
A transformação digital da administração pública exige continuidade e compromisso político. No entanto, em Portugal, mudanças governativas sucessivas ameaçam atrasar um processo que deveria ser ininterrupto e centrado nos cidadãos. Com a queda do Governo de Luís Montenegro e o regresso às urnas, a incerteza política torna-se mais um obstáculo a uma modernização já complexa.
Em entrevista que publicámos a 31 de janeiro, Mário Campolargo, então secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa, descreveu o futuro da Administração Pública europeia em 2030 como “sempre e cada vez mais centrada no cidadão, que utiliza a tecnologia para estabelecer serviços cada vez mais confiáveis, seguros e acessíveis” – escusando-se a comentar a exoneração do presidente da Agência para a Modernização Administrativa (AMA), João Dias, responsável, sob a sua tutela, pela autenticação eletrónica do Cartão de Cidadão e pelo Simplex.
Confiança, segurança e centralidade no cidadão deveriam ser princípios apartidários, não condicionados pelo PS no tempo de Mário Campolargo, nem pelo PSD nestes últimos 11 meses, sob tutela da ministra Margarida Balseiro Lopes.
O próprio Luís Montenegro reconheceu o problema ao afirmar ter “ouvido muitas queixas de cidadãos e empresas” sobre a burocracia do Estado. A sua promessa de “mais digitalização, simplificação e combate à burocracia” foi reforçada por Margarida Balseiro Lopes, que sublinhou a necessidade de garantir que ninguém fique para trás na transição digital. Mas as boas intenções esbarram na realidade: sem uma política consistente e transversal aos diferentes governos, a digitalização do Estado será sempre um processo fragmentado e vulnerável a retrocessos.
A digitalização não pode ser refém da instabilidade política – precisa de ser uma prioridade de longo prazo, independentemente de quem governa. A digitalização não pode ser refém da instabilidade política – precisa de ser uma prioridade de longo prazo, independentemente de quem governa. As tecnologias emergentes, nomeadamente a Inteligência Artificial, como sabemos, estão em permanente transformação da relação entre cidadãos, empresas e administração pública. Estão agora a chegar ao mercado de trabalho os nativos digitais da Geração Z – imediatistas, habituados a ter a tecnologia no centro da sua vida quotidiana. São simultaneamente cidadãos e trabalhadores e vão exigir políticas públicas que acompanhem a digitalização com que foram educados. O que acontecerá quando esta geração for a maioria ativa? A administração pública conseguirá responder a essas expectativas ou ficará refém dos ciclos de indefinição política?
Sem um compromisso político sustentado, Portugal corre o sério risco de cair num ciclo contínuo de avanços e recuos, comprometendo a eficácia do Estado e a confiança dos cidadãos.