O que recebe em troca quem estuda mais e trabalha mais?

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Em 2023, a idade média com que um jovem deixava de morar em casa dos pais era de 29,1 anos. Três décadas depois de nascer, portanto, e acima dos 26,3 anos que são a média da União Europeia. Dados do Eurostat mostram também que, nesse ano, o mais recente para o qual existem números, 26% dos jovens com idades entre os 15 e os 29 anos viviam em casas sobrelotadas na UE.

O algo controverso economista Gary Stevenson, que passou de trader no Citibank a ativista pela igualdade, reunindo milhões de seguidores no seu canal de YouTube, tem falado muitas vezes do desespero das novas gerações que, com cursos superiores e empregos qualificados, se veem impossibilitados de ter casa e de constituir família. Usa, geralmente, números relativos ao Reino Unido, mas pode facilmente extrapolar-se para a Europa, onde o mesmo acontece. Em Portugal, o preço médio de uma casa nova supera os 300 mil euros (dados de final de 2024), enquanto o salário bruto médio é, segundo o INE, de 1777 euros. Não é preciso ser um génio da matemática para perceber que isto transforma a vida de muitas pessoas num caminho difícil e tortuoso. O facto de, após a crise financeira de 2008 se terem aprovado regimes fiscais que favoreciam os estrangeiros e os portugueses altamente qualificados que residiam fora de Portugal, ajudou ao aumento completamente desproporcionado dos preços do imobiliário. É certo que muitos edifícios foram recuperados graças ao investimento internacional, mas o facto é que a vida dos portugueses começou a tornar-se mais difícil.

Vamos a um caso concreto que por vezes ajuda a mostrar melhor a realidade: o meu. Os meus pais são babyboomers. Nasceram no início da década de 1950, têm apenas a 4.ª classe e nasceram ambos em famílias muito pobres. Começaram os dois a trabalhar mais cedo do que hoje a lei permitiria, porque era isso ou passar fome. Casaram-se quatro dias antes do 25 de Abril de 1974 e o meu pai foi, sempre, o único a garantir um salário (que não era alto) lá em casa. Tiveram três filhas e, quando eu, a mais nova, tinha 6 anos, terminaram de construir a sua casa, com recurso a poupanças e a um empréstimo bancário, que, se não me engano, não chegava aos 20 anos de prazo.

Eu e as minhas irmãs somos todas licenciadas - até mais do que isso - e, aos 18 anos estávamos fora de casa, a estudar longe da vila onde crescemos, a viver em casas ou quartos pagos pelos meus pais. É certo que a vida era muito diferente da de hoje - não havia refeições fora, a não ser em dias de festa; não havia viagens de avião, nem havia roupa nova todos os meses. Mas houve sempre comida na mesa, médicos particulares, lareira acesa e livros e assinaturas de revistas. Todas tínhamos atividades extracurriculares e amigos com fartura. Como mais nova que sou, fui a última a ser independente - comecei a trabalhar mesmo no rescaldo da crise de 2008.

Voltemos a 2025: qual a probabilidade de, atualmente, uma família de cinco pessoas conseguir viver com dignidade com o salário de apenas um elemento, que não tenha uma profissão altamente qualificada? E mais, ter uma casa própria - com um quarto para cada filho! -, pagar simultaneamente dois alojamentos em cidades diferentes para que estes possam estudar e não passar necessidades? Novamente, não precisamos de cientistas para dar a resposta: é extremamente reduzida. E, possivelmente, vai continuar a encolher.

O cenário que se adivinha não é propriamente favorável e o escalar da guerra comercial vai continuar a penalizar os mais pobres - e sobretudo aqueles que não deviam ser pobres, porque cumprem o que a sociedade lhes disse ser garantia de sucesso: tiveram boas notas, têm um curso superior e um emprego. Não é de estranhar, pois, que as famílias sejam cada vez menos numerosas e que muitos dos jovens que começam agora a trabalhar pensem mesmo em não ter filhos. Já para não falar daqueles que pensam em emigrar - em Portugal, são mais de 50%, segundo um inquérito saído no ano passado.

Escrevo-lhe isto, caro leitor porque acredito que sabemos e podemos fazer melhor. Sinto, por isso, alguma exasperação pelo facto de estarmos a deixar para trás tantas pessoas, sobretudo as mais novas. São elas que podem garantir o futuro dos nossos países, mas continuamos a pedir-lhes que estudem mais, trabalhem mais, empreendam mais - e não digo que isso não deva ser pedido. Mas a troco de quê?

Esta, parece-me, é a pergunta que tem de ser respondida com urgência, sob pena de perdermos aquele que é o nosso maior ativo: os cidadãos que, com um futuro pela frente, têm a capacidade de pensar, sonhar e construir um futuro melhor para um mundo que, atualmente, parece estar meio perdido.

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