O regresso do pecado original das dívidas soberanas

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Os países ricos estão cada vez mais endividados, e não mostram sinais de abrandamento. Nos Estados Unidos, a administração Trump enfrenta um défice fiscal acumulado que supera já os 6% da criação de riqueza na maior economia mundial, no Japão apesar da enorme dimensão da mesma (aproximadamente 230% do PIB em 2025) a estratégia expansionista fiscal continua na agenda política, e na Europa a França encontra-se num perigoso círculo vicioso, onde a dívida soberana atinge já níveis impensáveis (113% do PIB em 2024), ficando apenas atrás da Itália (134,9%) e da Grécia (154.2%) – e que levanta preocupações sérias sobre a estabilidade futura na Zona do Euro, dado peso significativo da França na Europa comunitária. No geral, o rácio médio da dívida pública aumentou de 82% em 2023 para 84% em 2024, número que se estima que atinja 85% em 2025, ou seja mais de 10 pontos percentuais acima do verificado em 2019 e quase o dobro do nível de 2007.

As razões por detrás destes aumentos são uma combinação de fatores estruturais, que são mais complexos de ultrapassar na Europa. Á cabeça estão os desequilíbrios causados por um inverno demográfico e alteração dos padrões de vida. Afinal, atualmente existe uma taxa de natalidade muito mais baixa, e vive-se muito mais tempo, pelo que existe uma proporção menor de população ativa que contribui de forma líquida para o sistema social, e uma proporção maior de beneficiários, que são mais e vivem durante muito mais tempo derivado dos ganhos com hábitos e serviços de saúde na nossa sociedade.

A despesa pública relacionada com o sistema social não tem parado de aumentar, sobretudo na Europa, onde o sistema de pensões é sobretudo assente em premissas demográficas que não mais estruturalmente sustentáveis. As taxas de natalidade são cada vez menores na Europa, tendo vindo a descer na União Europeia para cerca de 1,38 filhos por mulher, quando na década de 60 – quando surgiram os primeiros modelos de pensões - era próxima de 3,12 filhos. Ao mesmo tempo, hoje as pessoas também vivem mais tempo, sendo que desde 1960, nos atuais estados-membros da União Europeia, a esperança média de vida aumentou em cerca de 12 anos, atingindo neste momento os 81,1 anos. Ou seja, a capacidade do modelo desenvolvido europeu encontra-se estruturalmente ferido, e carece de uma reforma estrutural profunda -e até que isso aconteça, representa um lastro pesado para as contas públicas dos Estados, e consequentemente para o endividamento dos mesmos.

Adicionalmente, os governos europeus estão também a braços com uma série de frentes que exigem maior despesa – como é o caso da indústria da defesa, onde os compromissos - por exemplo na Europa – deverão estender-se a um ajuste significativo e potencialmente sem precedentes. Até 2035, os membros da NATO deverão aumentar as suas contribuições para um valor equivalente a 5% da riqueza criada (PIB), criando maior pressão nos orçamentos dos governos, que irão certamente gerir delicados exercícios de equilibro para acomodar estes novos compromissos – condicionando ainda mais as restantes componentes (como educação, apoio social, ou alternativas de investimento público). Ou seja , mais pressão sobre endividamento público.

Até quando poderão os governos sustentar esta pressão? É uma resposta complexa. A revolução digital relacionada com a Inteligência Artificial promete entregar elevados níveis de crescimento na produtividade e no económico na próxima década, mas isto pode acabar por ser uma espécie de armadilha – o aumento elevado nos rendimentos provocado pela tecnologia pode levar a aumentos das taxas de juro e consequente pressão nos mercados de divida. A execução de reformas será necessária, mas complicada de gerir politicamente (veja-se o caso de França)

numa sociedade que é mais envelhecida e com direitos adquiridos. Da mesma forma reduzir o endividamento via aumento de preços e inflação pode ser tentador, mas tende a deixar um rasto complicado de gerir, e socialmente complexo. O mundo desenvolvido está por isso , numa encruzilhada, entre a necessidade de reformar estruturalmente, para poder continuar a manter o contrato social com os cidadãos, ou ignorar uma bomba relógio que pode potencialmente trazer problemas a prazo , e a uma nova crise sistémica – Financeira, Económica e Social.

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