O verão em que Portugal voltou a arder

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O ano de 2025 ficará marcado como um dos mais devastadores em matéria de incêndios florestais em Portugal. Até 20 de agosto, dia em que escrevo este artigo, a área ardida em espaços rurais ultrapassava os 220 mil hectares, o que coloca o nosso país no desonroso primeiro lugar do ranking europeu em termos de percentagem de área ardida.

A primeira coisa em que se pensa é: gastamos pouco em prevenção. O problema é que talvez não seja uma questão daquilo que se gasta, mas da forma como se gasta. De acordo com um relatório recentemente publicado pelo Tribunal de Contas Europeu, em 2017, ano dos grandes incêndios com as consequências trágicas que conhecemos, Portugal gastou 150 milhões de euros, dos quais 20% em prevenção e 80% no combate aos incêndios. Em 2023 (último ano disponível no referido relatório) o gasto cifrou-se em perto de 500 milhões de euros, sendo 54% com prevenção e 46% no combate. Isto significa que em seis anos a despesa total mais do que triplicou e que, só com prevenção, subiu quase dez vezes.

Este investimento em prevenção tem, pois, aumentado de forma significativa. Mas será que essa despesa é bem gasta? Até ao momento, as primeiras estimativas apontam para perdas diretas e indiretas na ordem dos 2,5 mil milhões de euros. Uma fatia significativa corresponde aos custos imediatos de combate, que envolvem a mobilização de milhares de operacionais, viaturas, aeronaves, equipamentos e logística de apoio. Só aqui, os valores já se medem em muitas dezenas de milhões de euros, aproximando-se dos níveis de 2017, o tal ano fatídico que fica recordado pela tragédia que resultou em 127 vítimas mortais.

A isto somam-se os prejuízos patrimoniais: dezenas de casas destruídas ou danificadas, armazéns agrícolas e industriais arrasados, linhas de distribuição elétrica e de telecomunicações afetadas e uma vasta mancha florestal reduzida a cinzas.

Muitas destas perdas ainda não estão devidamente contabilizadas, mas terão efeitos futuros no rendimento das famílias e na sustentabilidade das atividades económicas locais. De facto, e entramos agora nos impactos indiretos, eles podem revelar-se ainda mais pesados. O turismo, em particular o associado à natureza e ao mundo rural, enfrenta cancelamentos massivos e quebras acentuadas de procura, traduzindo-se em perdas de dezenas de milhões de euros para a hotelaria, restauração e comércio local.

Também a agricultura, a produção florestal e a indústria sofrem com a destruição de solos férteis, a perda de plantações e a consequente desvalorização das propriedades. Estas dificuldades terão efeitos prolongados no emprego e no rendimento das regiões mais afetadas, aumentando a vulnerabilidade social.

Outro capítulo diz respeito à saúde pública. Os serviços de emergência registam um aumento de atendimentos relacionados com problemas respiratórios decorrentes da exposição prolongada ao fumo. Por outro lado, o impacto psicológico sobre as populações evacuadas ou que perderam os seus bens não pode ser ignorado. Este sofrimento humano, a par da perda de vidas, é impossível de quantificar em euros, mas acrescenta um peso incomensurável à tragédia.

Num plano institucional, cresce a perceção de falta de coordenação na resposta. Diversas críticas apontam falhas na articulação entre entidades responsáveis, meios mal distribuídos e decisões tardias em situações críticas. Paralelamente, a gestão da comunicação política tem sido alvo de forte contestação: o silêncio tem imperado e, quando algum governante fala, a forma como o faz está longe de transmitir empatia, organização e segurança.

Apesar de todas estas fragilidades, há um ponto essencial que não deve ser esquecido: no imediato, a prioridade absoluta é conter os incêndios em curso e proteger vidas, bens e ecossistemas. Só depois será tempo de avaliar responsabilidades, repensar estratégias e reforçar os mecanismos de prevenção e de ordenamento do território.

Nos últimos anos, Portugal já provou que pode investir mais em prevenção do que em combate – o desafio agora é garantir que esse caminho não venha a ser interrompido e que as políticas públicas se centrem, de forma consistente, na redução efetiva do risco. Porque duma coisa podemos ter a certeza: com as alterações climáticas, a situação ambiental só vai piorar nos próximos anos.

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