Os dados e a ilusão do controlo dos utilizadores

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Dados, a palavra da ordem dos nossos dias. O que começou como um meio de fornecer experiências personalizadas na internet, evoluiu rapidamente para um ecossistema onde cada clique, compra ou interação pode ser monitorizada, analisada e (re)utilizada - muitas vezes sem o consentimento informado do utilizador. Mas quem controla efetivamente esses dados? A resposta é complexa e envolve tanto as grandes empresas de tecnologia quanto os governos, que disputam silenciosamente pelo poder que esses dados simbolizam para a sociedade.

Empresas como a Google, Meta, Amazon e TikTok lideram o que alguns especialistas chamam de "capitalismo de vigilância". Estes gigantes oferecem serviços aparentemente gratuitos, contudo, em troca, recolhem volumes impressionantes de dados dos seus utilizadores. Quem ainda pensar que o seu modelo de negócio é assente nas redes sociais, muito se engana, já que estas empresas dependem essencialmente de dados - da análise e monetização dessas informações, seja para a segmentação publicitária hiperpersonalizada, seja para o desenvolvimento de algoritmos mais eficazes.

O TikTok, por exemplo, tornou-se um caso emblemático. Apesar do seu apelo entre as gerações mais jovens, como bem sabemos, estar sob apertado escrutínio global (principalmente, norte-americano) por questões de privacidade e possíveis vínculos com o governo chinês. A preocupação não diz respeito apenas à recolha de dados individuais, mas está também relacionada com a possibilidade de manipulação de narrativas e censura de conteúdo. A mais recente ascensão do assistente de IA da DeepSeek (startup chinesa) é mais um exemplo que intensifica preocupações de proteção de dados, uma vez que a plataforma tem acesso a vastas quantidades de dados pessoais, podendo influenciar significativamente a disseminação dessas informações e, neste caso, o potencial acesso do governo chinês aos dados dos utilizadores. Apesar da sua popularidade, foi recentemente publicado pelo The Guardian, um vídeo ilustrativo que demonstra a censura do DeepSeek comparativamente ao ChatGPT, em particular, em questões sensíveis e momentos da nossa História relacionadas com a China e o seu governo.

Elon Musk, por outro lado, apresenta um caso de, como o controlo de dados pode ser utilizado para fins ideológicos. Desde que assumiu o Twitter, agora X, Musk tem promovido uma maior "transparência" sobre a moderação de conteúdo e as decisões internas da empresa. No entanto, as suas ações privilegiam certos discursos enquanto minam a confiança do público na plataforma. Tal levanta a questão: quem decide então como os nossos dados são utilizados e para quais fins?

Se por um lado, as grandes empresas estão no centro da recolha de dados, por outro, os governos também desempenham um papel significativo, e muitas vezes ambíguo, nesse cenário. Na Europa, por exemplo, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) foi criado para proteger os cidadãos contra o uso indevido das suas informações pessoais. Contudo, nem todos os países seguem os mesmos padrões.

Muitos acreditam que podem "controlar" como os seus dados são utilizados ao ajustar configurações de privacidade ou limitar o uso de certas plataformas. A realidade é que as estruturas por detrás são “nebulosas” e a maior parte dos utilizadores não tem ideia de quantas empresas têm acesso às suas informações ou de como estas são utilizadas.

A questão central não é apenas quem controla os dados, mas antes, como esse controlo está a ser utilizado para moldar as nossas vidas. E nós colocamos a questão: como proteger a nossa privacidade sem abrir mão dos benefícios da tecnologia?

Talvez a solução passe por uma maior consciencialização pública, regulamentações mais rígidas e transparência por parte de empresas e governos. Mas, enquanto esses esforços não ganham força, cabe a nós, enquanto sociedade, exigir mudanças e assumir um papel ativo nessa discussão. Afinal, os dados são nossos, e o futuro da nossa privacidade depende de quem decidirmos depositar a nossa confiança.

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