As grandes empresas tecnológicas — Google, Meta, Amazon, Apple – que dominam as bolsas de valores e recolhem, processam e monetizam dados de milhares de milhões de utilizadores em todo o mundo, transformam-nos depois em lucros astronómicos,tendo muitas vezes mais poder económico do que muitos estados soberanos. A questão que se impõe é simples: onde devem ser tributados esses lucros?A resposta, no entanto, está longe de ser consensual, ainda que a história demonstre que deveria ser. Em matéria fiscal, dois princípios podem ser aplicados: o princípio da fonte (sustenta que os rendimentos devem ser tributados no país onde são gerados) e o princípio da residência (defende que a tributação deve ocorrer no país onde a empresa está sediada). Hoje, o sistema fiscal internacional favorece, em larga medida, o princípio da residência. O que significa que as denominadas Big Tech, apesar de operarem amplamente em mercados estrangeiros e obterem lucros com dados gerados por utilizadores desses países, acabam por pagar a maior parte dos seus impostos onde estão registadas - frequentemente em jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis, quiçá mesmo em “offshore”.Este desequilíbrio fiscal tem consequências significativas. Em primeiro lugar, representa uma clara perda de receita pública para muitos Estados, sobretudo aqueles em desenvolvimento ou com economias de menor escala, que veem os seus cidadãos contribuírem gratuitamente para a criação de valor económico sem qualquer retorno fiscal. Em segundo lugar, mina a confiança no sistema tributário, criando a perceção (justa, aliás) de que as grandes empresas escapam às regras que se aplicam a todos os outros.Não será então mais justo - e mais lógico - aplicar o princípio da fonte a estas situações?Se o valor económico é gerado a partir da interação de utilizadores portugueses, dos seus dados e da sua utilização das plataformas promovidas pelas big tech não deveria Portugal ter o direito de tributar parte desses lucros? E quem diz Portugal, diz os demais estados-membros da União Europeia? Parece claro que esta questão devia estar no centro do debate sobre a justiça fiscal digital. Acresce o facto de que a OCDE pugnou por uma reforma que visa atribuir uma parte dos lucros das grandes multinacionais digitais aos países onde estão localizados os utilizadores. Ainda que este seja um passo importante e bastante relevante, não deixa de ser tímido, sobretudo porque mantém intacta a predominância do princípio da residência e não resolve a raiz do problema: um sistema tributário construído para uma economia industrial, que já não corresponde à realidade da economia digital.A criação de impostos digitais nacionais, como os que têm sido propostos em vários países europeus, é uma resposta legítima a esta correção de desigualdades globais e às quebras de fronteiras digitais.A verdade é que, num mundo em rede, os modelos fiscais não podem continuar presos a fronteiras jurídicas do século XX. É tempo de repensar os fundamentos da tributação internacional e reconhecer que os dados pessoais, ainda que intangíveis, são ativos geradores de valor. Se são fonte de lucro, devem também ser fonte de tributação.Mal comparado, os dados pessoais dos cidadãos europeus, nomeadamente dos cidadãos portugueses, são tão nossos quantos as areias das nossas praias, a voz da Amália Rodrigues ou o valor de Cristiano Ronaldo. Triste é que sobre isto nem esquerda nem direita tenham tomado posição em programas eleitorais recentes. Ainda que seja um tema dos mais relevantes para o que nos resta deste século.