As comadres bilionárias não se zangam à porta da mercearia, antes trocam acusações, revelam segredos e distribuem “chapada virtual” nas redes sociais. Muitas vezes na sua própria rede virtual, comprada com sangue, suor, lágrimas, mas sobretudo com a monetização dos dados pessoais de milhares de milhões de utilizadores em todo o mundo.Esta semana, Elon Musk decidiu que quer processar a Apple por – disse ele na sua própria rede social, o X (antigo Twitter) – a empresa da maçã estar a violar as regras de concorrência com os rankings da App Store. Parece tudo bastante razoável, até percebermos que Musk quer recorrer aos tribunais por considerar injusto que a Apple se recuse “a colocar aplicações como o X ou o Grok [serviço de IA desenvolvido pela xAI, a sua empresa de Inteligência Artificial (IA)] na secção de aplicações impres- cindíveis [‘must have’]”. É como se o Hemingway anunciasse um processo à FNAC por colocar nas prateleiras que ficam à entrada das lojas um livro do Dostoiévski em vez do seu.Mas Musk vai mais longe. “A Apple está a comportar-se de uma forma que torna impossível para qualquer empresa de IA, sem ser a OpenAI, chegar ao #1 na App Store, o que constitui uma inequívoca violação da lei da concorrência.”Tudo isto evoca três reflexões. A primeira é que, afinal, Elon Musk não acha nada que a Apple e outros fabricantes, que em tempos considerou menores e pouco ambiciosos, seja irrelevante. Pior: admite e teme – genuinamente, ao ponto de contemplar a hipótese de ir para tribunal – que as receitas provenientes dos seus produtos dependam, em alguma ou em larga medida, de um concorrente os exibi ou não como opção na sua “loja”de apps.O segunda é que deve ter pavor, e acredito mesmo que tenha razões para isso, da parceria que a Apple e a OpenAI têm desde o ano passado, através da qual querem integrar o ChatGPT nos sistemas operativos do iPhone e dos computadores Mac. A terceira é que há pastilhas para a memória em qualquer farmácia do primeiro mundo e desconfio que em Austin, onde Elon Musk agora vive, também. É que estamos a falar de um empresário acusado de manipular o X para, por um lado, beneficiar empresas suas como a Tesla ou o Space X, ou candidatos presidenciais como Donald Trump, e por outro, para prejudicar concorrentes, adversários ou, simplesmente, pessoas de quem não gosta.O CEO da OpenAI, Sam Altman, recordou-o disso mesmo nas redes, partilhando também uma investigação sobre como Musk pediu à sua equipa que criasse um sistema que desse primazia às suas publicações no X.Entre acusações mútuas de mentira e comportamentos pouco éticos, a verdade andará algures pelo meio. E a discussão mais importante – mas não suficientemente abordada – neste momento nos Estados Unidos é sobre o poder, o imenso poder das corporações tecnológicas de Silicon Valley. Um conjunto seleto de techs que detêm um maior poder de influência sobre o mundo que qualquer presidente norte-americano pode aspirar neste momento a ter. Que, provavelmente, o elegem ou depõem. Que seguramente influenciam as suas decisões para o caminho de menor resistência às suas pretensões. Que estão, todas elas, provavelmente a pairar muito acima do controlo das autoridades federais e apenas arriscam o escrutínio dos media, que – por sinal – estão a asfixiar, publicando grande parte do seu trabalho, do seu maior valor, nas suas redes.Na verdade, como demonstra este episódio, as big tech só parecem temer-se umas às outras.