Pode a Europa conter o impacto da guerra comercial?

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A ofensiva tarifária que a Administração Trump tem vindo a declarar promete trazer uma alteração potencialmente profunda à relação transatlântica entre Europa e Estados Unidos. Relação que, para além dos laços geopolíticos assentes na NATO (também agora em causa), detêm a maior relação comercial do globo, com bens e serviços transacionados a superar 1,5 biliões de euros anualmente. Este é um braço de ferro que promete ser danoso para a União Europeia, podendo subtrair 1,1% do PIB da sua economia, numa altura em que a inovação e competitividade europeia está mais frágil que os seus principais concorrentes asiáticos (China), e norte americanos. Aparentemente, a UE está destinada a sofrer e as novas regras do jogo deixarão o velho continente mais fragilizado. Será assim? Afinal o que pode fazer a europa para conter o impacte da guerra comercialE

Em primeiro lugar, é justo dizer que algumas das reivindicações dos Estados Unidos são antigas e compreensivas - por exemplo, as taxas sobre carros norte-americanos importados para a Europa são de 10%, enquanto o inverso é de apenas 2,5% - e objetivamente a NATO tem sido durante demasiado tempo negligenciada pelos parceiros europeus. Uma das primeiras premissas para conter a escalada da guerra comercial transatlântica deve passar justamente por encontrar forma de criar um caminho que seja possível percorrer, no sentido de reduzir algumas destas desigualdades. A principal é sem dúvida o eixo do financiamento da NATO, onde a fasquia exigida por Donald Trump é que seja um compromisso de 5% - valor que certamente será incomportável para vários parceiros, sem colocar em risco os deficits, e as despesas de car]acter social.

Numa segunda reflexão, importa dizer que o peso comercial dos Estados Unidos para a União Europeia não é tão relevante como parece à primeira vista. É verdade que são principal destino das exportações Europeias (e que exporta mais do que importa), mas ainda assim representam menos de 8% do total dos destinos das exportações totais. Acresce que cerca de 62% das exportações são intracomunitárias, ou seja, dentro dos países da União Europeia. Considerando os países europeus fora da UE, este valor ascende quase aos 75%, valendo a China 3,3%, resto da Ásia 7,5% e o resto do mundo cerca de 7%. Ou seja, a diversificação permite que não seja necessário um grande esforço para aumentar a relação comercial noutras regiões do Globo e mesmo no espaço intracomunitário, o que permite conter relativamente bem o impacto do aumento de tarifas de acesso ao mercado norte-americano.

Por fim, importa ainda dizer que a União Europeia pode estar frágil, mas não está morta, e costuma reagir bem às crises sistémicas e sob pressão. Foi assim na crise das dívidas soberanas e foi assim também na pandemia, com a Comissão Europeia a agir rapidamente e com eficácia para estabilizar a região e o euro. E, neste momento, parece sentir um sentido de urgência na agenda europeia relativamente à competitividade e à criação de condições para reduzir de forma rápida o diferencial desta para os principais rivais na ásia e no Norte da América. E importa dizer que também a estabilidade macro e capacidade de respostas fiscal e monetária em caso de choque adverso inflacionista são bastante elevadas na União Europeia, assim como a previsibilidade e estabilidade de estratégia política da Comissão Europeia, ao contrário do que acontece atualmente nos EUA, um fator que normalmente costuma ser vantajoso para implementar projetos de investimento futuro.

Certamente nada disto garante que o velho continente passará incólume a esta guerra comercial transatlântica. Mas terá provavelmente muitas opções que pode e deve utilizar para conter e transformar estruturalmente a sua economia.

*Luís Tavares Bravo é economista, Presidente do Internacional Affairs Network

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