Pode Portugal ser o Vale do Silício de IA na Europa?

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Neste momento, mais de 600 mil empresas no nosso país usam IA, segundo o relatório Desbloquear as Ambições de Portugal sobre Inteligência Artificial na Década Digital em 2025, efetuado pela Amazon Web Services (AWS) e pela consultora Strand Partners, revelado agora em maio. Isto significa que 41% do tecido empresarial já deu um passo rumo à transformação digital.  

Em termos práticos, trata-se de um crescimento de 17% num ano. É como se 100 mil organizações — 12 por hora ou uma em cada cinco minutos — decidissem ter um primeiro contacto com esta tecnologia. Estão estas entidades a acordar para o futuro? Talvez. Contudo, em rigor, na maioria das situações só estão a tentar não ficar presas no passado.

E quanto valem estes números? Muito? Pouco? Do meu ponto de vista, é verdade que estamos a avançar. Porém, enquanto o mundo já faz audazes piruetas com IA Generativa — produz conteúdo humanizado (textos, áudio, imagens...) —, por cá ainda se anda a aprender a dar cambalhotas com cautela.

Trocando por miúdos, lá fora, há robôs a filosofar, algoritmos a escrever guiões de filmes e letras de músicas, chatbots a criar pinturas como Picasso, Rembrandt ou Van Gogh... E em território nacional? Estamos na estação certa,só que a ver o comboio passar. 

Quem está, afinal, a puxar a carruagem da IA em Portugal?

Pela sua natureza, marcada pela inovação e pelo risco, na linha da frente desta inovação estão, evidentemente, as startups. Os indicadores reportados no referido estudo são claros: 62% já adotaram IA e 35% rentabilizam-na a sério,ou seja, não é só protótipo, é incorporação real no negócio. É trocar a pista de comboio de brincar da infância por passar a vida a andar de TGV. Já nas grandes empresas apenas 11% fazem uso transformador. 

E qual o papel das PME nesta viagem? Essas — que ocupam 99,9% do tecido empresarial do país — estão a experimentar, com 65% num nível básico. Há curiosidade, é um facto; todavia também há medo. É como desejar conduzir umalfa pendular, mas ter receio de nunca ir além de uma locomotiva a vapor.  

Quem usa IA não quer outra coisa & talento digital é o novo petróleo

Como sustenta o relatório, cerca de 94% das empresas que recorrem a IA reportam aumento das receitas (média de 30%) e 77% assinalaram melhorias na produtividade decorrentes de: automatizar tarefas rotineiras (54%), atendimento mais eficiente (53%) e analisar dados com mais agilidade (66%). Traduzindo: menos tempo perdido e mais tempo para pensar, criar, decidir. A IA não veio substituir, veio libertar.

 Com variadíssimos benefícios comprovados, então por que razão tantos ainda não a incluem? Spoiler: não é só o custo. O maior obstáculo, de acordo com 42% das organizações, é a ausência de skills. Falta quem saiba tirar o devido partido desta novidade; e quem sabe vale ouro. Para se ter noção das vantagens, em alguns casos quem ‘fala IA’ pode ter ganhos superiores a 40%.

No fundo, o talento digital é o novo petróleo. Portugal já sabe onde cavar, não obstante, ainda está a realizar os primeiros furos. Outros entraves? Custo inicial (34%) e dúvidas sobre o retorno (21%). Apesar disso, se quem investiu está a lucrar, então, parece-me que o maior risco talvez seja mesmo não fazer nada. 

Estado deve dar o exemplo: IA não é uma moda, mas um motor

 Tendo em conta as conclusões da AWS e da Strand Partners, a aposta financeira em IA a nível nacional cresceu 24% no último ano, um valor acima da média europeia (que ronda os 22%). Em três anos, as empresas esperam dedicar 16% do orçamento de Tecnologias de Informação à IA. Portanto, já não se trata de testar, mas de integrar. 

No entanto, num país em que ‘transformação digital’ é sinónimo de ter um sitee redes sociais ativos, há muito caminho a percorrer. A mudança está a acontecer, só que devagarinho. A questão é que o mundo não espera por nós e a maquinaria dos comboios vai evoluindo a um ritmo vertiginoso.

Queremos acelerar? Sim. Como? Pondo o Estado a dar o exemplo: implementar IA em vários setores, estimulando as empresas com incentivos,aliviando as startups com menos burocracia e formando trabalhadores de todas as áreas. Porque se este não liderar, vamos todos perpetuar a ideia de que a IA é uma moda e não um motor para se alcançar algo maior. 

Portugal tem tudo para ser o Vale do Silício de IA na Europa 

 É inegável que dispomos de mão de obra valiosa, startups ousadas, investimento crescente e vontade de aprender. A Estratégia Digital 2025 do Governo reconhece o papel fundamental da IA e promete impulsionar competências e apoiar empresas. Porém, falta-nos escala, velocidade e ambição. 

No fundo, Portugal tem tudo para se tornar no Vale do Silício da Europa no que toca a Inteligência Artificial. Contudo, isso exige mais do que ferramentas. Exige visão. Exige estratégia. Exige coragem. Exige assumir comandos. Por isso, vamos continuar a ver a carruagem passar ou vamos tirar a carta e ousar conduzir este comboio?

Project Manager Officer na Consultora LTPlabs

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