Portugal ama e odeia Ronaldo porque não consegue ser como ele

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Quando, no passado domingo, Portugal se tornou (inesperadamente) a primeira seleção nacional de futebol masculino a sagrar-se campeã da Liga das Nações, ao bater (também inesperadamente) a incrível seleção nacional espanhola, o país emocionou-se. Em primeiro lugar, porque o futebol tem essa capacidade, de nos juntar a todos em torno de um objetivo comum, e depois porque era impossível não nos emocionarmos com a emoção (passe o pleonasmo) de Cristiano Ronaldo.

O capitão da Seleção das Quinas abandonou o jogo a poucos minutos do final - as suas pernas de 40 anos ainda são inacreditáveis, mas já não aguentam o esforço como antes - no entanto, foi ele quem levantou a taça e foi o seu rosto, lavado em lágrimas, que as câmaras de televisão fixaram assim que Rúben Neves marcou o pénalti que, depois da defesa de Diogo Costa, deu a vitória à formação de Roberto Martinez. Ronaldo sempre foi uma figura pouco consensual em Portugal: adoramos os seus recordes, a sua qualidade indiscutível, adoramos que seja o capitão da seleção que garantiu finalmente vitórias à equipa nacional, adoramos ouvir o seu nome sempre que saímos de Portugal e dizemos que somos de cá. Mas os críticos sempre foram ferozes com CR7: ou porque é arrogante, ou porque é convencido, ou porque escolhe mal a equipa para onde vai jogar, ou porque decidiu ter filhos de uma forma ou de outra...

Amamos os resultados de Ronaldo, mas odiamos - genericamente falando, porque eu cá admiro-o bastante! - que ele seja tão bom, precisamente porque nós nunca conseguimos, enquanto país, ser exatamente aquilo que ele é: focado, seguro de si mesmo, disciplinado nos seus objetivos e um trabalhador incansável. Conhecido por ser o primeiro a chegar ao campo e o último a sair, dizia em entrevista recente que ainda encontrava muita satisfação em treinar todos os dias. Ronaldo sempre tratou do seu corpo como aquilo que é: o único motor da sua atividade e dos seus sucessos, levando atrás de si, em férias ou trabalho, uma equipa de preparadores físicos, nutricionistas e outros profissionais que garantiram, ao longo de todos estes anos, que ele continuasse no seu melhor apesar dos 40 anos.

Ronaldo sempre disse que queria ser o melhor e tem-no sido. Repete que continuará a bater recordes, e fá-lo, não por sorte, mas porque se compromete, há anos, com aquilo que são os seus objetivos de carreira. Que os comentadores desportivos - e a sociedade portuguesa em geral - não se cansem de o criticar, a mim dá-me uma mensagem muito clara: continuamos, em Portugal, a conviver muito mal com o sucesso dos outros. Quando esse sucesso é merecido, parece que ainda convivemos pior. É como se Ronaldo nos atirasse à cara, a cada jogo, que só não fazemos melhor porque não queremos.

Mas a verdade é mesmo essa: em época de reinício de ciclo político, o ‘selecionador’ Luís Montenegro devia estar mais preocupado em ter na sua formação os Ronaldos deste país. Tal como os gestores das nossas empresas deviam ter nas suas equipas os melhores jogadores, sobretudo aqueles que põem em causa as suas decisões e crenças, através de trabalho árduo e de resultados concretos.

Só quando deixarmos de invejar Cristiano Ronaldo estaremos prontos para aprender com ele. E se, aos 40 anos, o miúdo que veio da Madeira e de todo um contexto que era propício ao seu falhanço épico, consegue continuar a ser o melhor jogador da atualidade, certamente tem algo para nos ensinar.

Trabalho árduo, disciplina, foco no objetivo, força de vontade e rodearmo-nos dos melhores é o básico do melhor do mundo. Saibam os nossos líderes seguir-lhe as pisadas e pode ser que Portugal consiga finalmente descolar. Menos inveja, mais chegada cedo ao campo de treinos.

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