Portugal tem 175 mil milionários. Mas e o resto?

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Esta semana, o banco suíço UBS publicou o seu já costumeiro Global Wealth Report relativo 2025, e Portugal aparece com um aumento de quase 2% no número de milionários – mais 3200 que no ano anterior – para um total de 175 mil pessoas que têm património líquido avaliado em mais de um milhão de dólares.

Desde 2020 que Portugal vê o seu número de milionários crescer, um movimento que não é indiferente ao facto de termos cada vez mais expatriados com muito dinheiro a procurar um país onde é relativamente seguro investir - e onde podem aproveitar uma série de benefícios fiscais.

Mas, se temos 175 mil milionários, continuamos a ter qualquer coisa como 10,5 milhões de pessoas que não pertencem a esse clube. Seria de esperar que, havendo um movimento tão positivo no cume da montanha, o mesmo se verificasse no seu sopé.

Segundo o mesmo UBS, a riqueza mediana ronda os 81,3 mil dólares por adulto, tendo aumentado 25% desde o início da década, diz o mesmo documento.

Mas se, por um lado, o UBS nota que a classe média conseguiu garantir um aumento de rendimentos ao longo destes anos, a verdade é que Portugal continua a ser um mau aluno quando olhamos para os seus congéneres da OCDE. Os dados mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico revelam que o rendimento médio líquido ajustado, por família, per capita, é de 24 877 dólares por ano, inferior à média da OCDE de 30 490 por ano.

Em relação a dados sobre o emprego, por exemplo, 6% dos trabalhadores, em Portugal trabalham horas extra, abaixo da média da OCDE de 10% - uma diferença que, possivelmente, também se explica pelo facto de em Portugal serem raros os setores que remuneram essas horas que extravasam o horário de expediente, ainda que sejamos somos o país onde mais tempo as pessoas passam nos empregos.

Em termos de educação, o cenário é o mesmo há uns anos: 55% dos adultos com idades entre 25 e 64 anos concluíram o ensino médio, abaixo da média da OCDE, que se fixa em 79%. E importa ainda referir que 59% das mulheres concluíram com sucesso o ensino secundário, contra 52% dos homens. Em média, em Portugal, as raparigas superaram o desempenho dos rapazes em 3 pontos, muito abaixo da diferença média da OCDE de 5 pontos. E, apesar disto, também lhes pertencem a elas (ou a nós, no caso) os salários mais baixos – 13,2% a menos, ou cerca de 242 euros mensais, segundo os últimos dados recolhidos pela Randstad Portugal.

Foi, na verdade, nestes dados todos que pensei quando vi os aplausos ao aumento do número de milionários no nosso país – e cujos dados com mais detalhe pode ler no site do Diário de Notícias. Aplausos que se estendem à perspetiva de esse número aumentar em 8% até 2030.

Porque, afinal, de que serve termos tantos milionários se a maior parte do país continua abaixo daquilo que é a média dos outros países desenvolvidos – repare, caro leitor, que não estou sequer a dizer “abaixo do desejável”. Abaixo dos outros países desenvolvidos.

Por isso, ao invés de aplaudirmos o aumento de milionários – e atente que acredito profundamente que a riqueza é boa, desejável e um saudável motor das economias, quando reverte para aquelas em que se inserem – talvez fosse bom começarmos a pensar por que razão não conseguimos idênticos desempenhos por parte do resto do país. Que é como quem diz: que para o ano consigamos ter mais empresas a passar a fasquia da 'Grande Empresa'; que consigamos ter um rendimento líquido, pelo menos, em linha com a média da OCDE; que consigamos criar mais riqueza, mais empregos qualificados, mais indústria e serviços que contribuem para a economia e, consequentemente, uma sociedade muito mais saudável. Sem horas extra, mas também sem dias a sobrar no final de cada mês de salário. Já não seria mau, ao nível de objetivos que valem milhões.

Diário de Notícias
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