Sem apoios, o risco de pobreza duplica 

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Em Loures, existe um lugar onde a música transforma vidas: o Conservatório Arttalis. Ali, meninos e meninas tocam, cantam e, sobretudo, progridem nos estudos em condições que, de outro modo, dificilmente teriam. Ganharam uma oportunidade de sucesso — na escola e na vida. Nunca esquecerei a visita comovente que fiz a este espaço e o agradecimento que dirigi à sua Diretora e à Fundação "la Caixa", que tornou possível este investimento. 

Esta decisão é um exemplo concreto do que os dados nos mostram ano após ano no estudo sobre as condições sociais em Portugal, realizado pela Nova SBE e financiado pela mesma Fundação. A edição mais recente, publicada há poucos dias, traz sinais mistos (Portugal, Balanço Social, 2024). 

Comecemos pelas notícias menos más: entre 2023 e 2024, a taxa de risco de pobreza desceu ligeiramente (quatro décimas) bem como a taxa de privação material - que mede dificuldades na vida, da saúde à pobreza energética ou más condições habitacionais. Num contexto de incerteza, é um alívio saber que não houve agravamento. 

Contudo, os sinais de alarme são claros. O risco de pobreza continua a afetar desproporcionalmente os mais velhos (21,1%) e as crianças (17%) - precisamente os que têm menos meios para reagir. Nestes grupos e nas suas famílias, as dificuldades acumulam-se: desde pagar uma despesa inesperada, conseguir tirar uma semana de férias e até ter fome na escola.  

É aqui que as prestações sociais se revelam cruciais. Em 2023, sem apoios como pensões ou subsídios de desemprego, a taxa de risco de pobreza teria disparado de 17% para 41,8%. Mais do dobro! Um dado que importa lembrar, sobretudo quando tantos se posicionam politicamente contra estas medidas. 

Outro fator determinante é a educação. A taxa de risco de pobreza entre quem tem apenas o ensino básico é de 23,5%. Entre quem completou o secundário, desce para 12,3%. E entre os diplomados do ensino superior, é de apenas 8,5%. Foi por isso que comecei este texto com o exemplo do Conservatório Arttalis: uma resposta inovadora à desigualdade. 

O estudo mostra ainda que a pobreza mina a confiança nas instituições - incluindo nos políticos. É verdade que, entre 2008 e 2024, essa confiança aumentou. Mas os mais pobres, que mais precisam de instituições públicas fortes, são os que menos acreditam nelas. E também os que menos se sindicalizam: apenas 11,6% dos trabalhadores mais pobres pertencem a sindicatos, contra 26,8% dos mais ricos. 

Por fim, a desigualdade: em 2024, os 10% mais ricos tinham um rendimento disponível nove vezes superior ao dos 10% mais pobres. Nove vezes. Uma diferença gritante. 

Estes números falam por si. Mostram que ainda há muito por fazer por uma sociedade mais justa, na certeza de que um bom resultado interessa todos nós que cá vivemos, uns com mais, outros com menos. 

 Ex-deputada ao Parlamento Europeu

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