TAP. Uma constatação, uma reflexão e uma dúvida de fundo

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Boa tarde, senhores leitores. Bem-vindos a bordo de mais uma tentativa de privatização da TAP Air Portugal. Pedimos o favor de se manterem sentados enquanto decorre o processo de divulgação do caderno de encargos para a venda da companhia.

A brincadeira até esconde algum nervosismo. Como contribuintes, sabemos bem que esta não é a primeira privatização da TAP. A venda protagonizada pelo Governo de Pedro Passos Coelho, ainda sob o programa de ajuste da Troika, foi revertida pelo primeiro executivo PS de António Costa, o da Geringonça, que incluía um homem que deu à TAP a sua quota parte de polémicas, Pedro Nuno Santos.

E desde que voltou a ser o maior e depois único acionista, o contribuinte foi chamado a por 3,2 mil milhões na TAP, numa ajuda de Estado que a Comissão Europeia não aceitou que (tal como as outras empresas europeias do setor) ficasse por compras das perdas causadas pela pandemia. Ser acionista maioritário ou único é isto: ou aceita meter do seu dinheiro ou deixa cair a empresa.

Para já, sabemos que o Governo pretende alienar 49,9% da companhia, ou seja quer manter o controlo sob a gestão, mas admite a hipótese de investidores não europeus entrarem no capital da empresa.

O anúncio do primeiro-ministro, ao início da tarde de quinta-feira, e as explicações adicionais dos ministros das Finanças e das Infraestruturas, levantam uma constatação, uma reflexão e uma dúvida de fundo.

Vamos por partes. A primeira constatação é que a TAP se vai manter como a única companhia aérea europeia de bandeira sob controlo estatal. Não é das únicas, é mesmo a única. O que significa que será o Estado - ou seja, todos nós - a ser chamado a pôr a mão por baixo no caso de alguma coisa correr mal. Provavelmente é isto que a TAP e os seus trabalhadores também preferem, apesar de o histórico de resultados nação augurar nada de bom. Apertem os cintos, antevemos alguma turbulência.

Pior. Muito provavelmente, como escreveu o DN, o caderno de encargos deverá deixar claro aos eventuais investidores que o controlo atualmente exercido pelo Tribunal de Contas aos contratos da empresa pública (que, aliás, se estende a todas as empresas do Setor Empresarial do Estado) vai deixar de existir. Desconhecemos ainda se a TAP semiprivada ficará isenta do cumprimento de outras obrigações financeiras e de reporte ao Ministério das Finanças. O certo é que, com o Tribunal de Contas metido em overbooking, o contribuinte manterá o controlo e a responsabilidade, mas perderá a capacidade de escrutinar a TAP.

A reflexão é política. A manobra de António Costa, em 2016, de reverter a privatização da TAP (instalando um seu próximo, Diogo Lacerda Machado, na administração) e o resultado das eleições de 18 de maio instalaram uma dúvida premente na cabeça de quem se prepara para investir na companhia portuguesa. O que acontece se o Governo AD de Luís Montenegro cair? O PS de José Luís Carneiro já disse que o modelo de privatização anunciado lhe parece adequado, mas que quer que a TAP reponha os 3,2 mil milhões da ajuda de Estado. E o Chega sempre disse que se opunha à venda de uma posição maioritária.

A dúvida de fundo é esta: não é certo se, mesmo descolando para a primeira fase, o voo desta privatização não regressa à origem devido a alguma falha técnica, a incompetência dos pilotos ou a falta de passageiros adequados. No final, pelo que se está a desenhar, até poderá ser o contribuinte a ficar com o bilhete na mão.

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