Trabalhadores qualificados descartados como pastilha elástica
É extraordinário como, por trás dos layoffs nas tecnológicas, há uma lógica de oportunidade. Roger Lee vive em São Francisco e fundou uma startup dedicada à promoção da transparência salarial, com o objetivo de eliminar desigualdades remuneratórias.
Em 2020, durante a pandemia, enquanto Roger gozava uma licença de paternidade, o mundo das tecnológicas foi abalado por uma onda de despedimentos sem precedentes. Só no segundo trimestre desse ano, contabilizou mais de 60 mil profissionais afetados em 429 empresas. Este foi o pico do ano, que só viria a ser ultrapassado mais tarde, no último trimestre de 2022, com quase 85 mil trabalhadores dispensados em 475 empresas.
No final de contas, 2022 e 2023 acabaram por ser anos terríveis neste aspeto para o setor, profundamente afetado por cortes massivos de postos de trabalho. Foi Roger quem, ao lançar o site Layoffs.fyi, acabou por chamar a atenção para este fenómeno. Criado ainda em 2020, este portal tornou-se numa valiosa base de dados, onde estão contabilizados os casos mais conhecidos das tecnológicas.
Mais do que um simples site estatístico, o Layoffs.fyi acompanha os despedimentos em empresas tecnológicas e disponibiliza listas de trabalhadores afetados, ajudando-os a serem identificados por empresas que estão a contratar.
Vivemos numa espécie de contrassenso, onde, por um lado, se fala em despedimentos de profissionais das Tecnologias de Informação, e, por outro, se reclama pela escassez de talento. Este fenómeno reflete uma realidade do setor: enquanto algumas empresas estão a cortar custos após contratações massivas durante a pandemia – ou porque as mudanças tecnológicas provocadas pela introdução de ferramentas de inteligência artificial (IA) levam a despedimentos –, outras enfrentam sérias dificuldades em encontrar profissionais qualificados para áreas como cibersegurança, IA, IoT ou cloud, por exemplo.
O que nos diz o Layoffs.fyi – e que é replicado pelo site de informação tecnológica TechCrunch, numa página dedicada a este fenómeno – é que, em 2024, foram dispensados 152 mil trabalhadores de 546 empresas tecnológicas, como a Tesla, Amazon, Google, TikTok, Snap e Microsoft. Este ano, já foram anunciados 5.200 despedimentos em 19 empresas, entre elas a Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) e, novamente, também a Microsoft e a Amazon planeiam reduzir equipas.
Diz o TechCrunch que “ao acompanharmos estes despedimentos, conseguimos compreender o impacto da inovação em empresas tanto pequenas como grandes. Também podemos ver o impacto potencial das empresas que adotam a IA e a automação para empregos que anteriormente eram considerados seguros. Serve também para recordar o impacto humano dos despedimentos e o que pode estar em jogo no que respeita ao aumento da inovação.”
Os analistas, olhando para o caso específico da Meta, onde Mark Zuckerberg sustenta a necessidade de despedimentos para elevar a fasquia da performance dos seus trabalhadores à medida que introduz cada vez mais ferramentas de IA no local de trabalho, acreditam que esta tendência vai continuar por duas razões: uma, porque a pandemia levou a contratações excessivas, impulsionadas pelos elevados ganhos das tecnológicas numa altura de grande procura por serviços digitais; a outra, porque a IA introduziu a ideia de que é possível fazer mais com menos, como explicava à imprensa norte-americana Sam Wright, executivo da plataforma de emprego Huntr.
O que parecia antes um mercado imbatível, cheio de oportunidades, revela agora uma segunda faceta, muito mais volátil e imprevisível. E é perante este cenário que surgem visionários como Roger, que, através do site Layoffs.fyi, expõe um mercado que, paradoxalmente, descarta profissionais qualificados enquanto muitas empresas continuam desesperadas para encontrar talento. Vivemos num mundo a duas dimensões, onde os mesmos trabalhadores podem ser descartados, como pastilha elástica, de um lado e, por outro, vistos como a solução para a escassez de muitas empresas.