Trump 2.0: O desafio das empresas num mundo protecionista

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Tinha resolvido não escrever sobre o assunto do momento. As decisões da atual administração norte-americana têm sido objeto de análises detalhadas sob múltiplas perspetivas, a começar pela política e a terminar na economia, passando pelas vertentes militar, social e ambiental, entre muitas outras.

Contudo, creio que pouco se tem falado das empresas – daquilo a que vulgarmente se chama economia real – e do modo como elas vão ter de lidar com todas estas transformações. Por isso, dirijo este artigo aos gestores cujas unidades económicas venham a ser diretamente afetadas – porque, indiretamente, seremos todos!

Comecemos pelos factos. O primeiro prende-se com a constatação de que, em geral, os negócios se dão mal com a incerteza. No momento em que escrevo estas palavras, não se sabe se a administração Trump vai aplicar tarifas alfandegárias iguais para toda a União Europeia ou se as vai de alguma forma diferenciar por país – procurando assim debilitar a coesão europeia – mas de uma coisa não há dúvida: nos próximos anos vamos ter de lidar com forte imprevisibilidade porque se há algo em que Donald Trump é constante é na sua inconstância.

O segundo facto tem que ver com a economia portuguesa. Os EUA são o quarto maior mercado externo, absorvendo perto de 10 mil milhões de euros das nossas exportações de bens e serviços. Os produtos portugueses mais vendidos são medicamentos e combustíveis minerais que, em conjunto, contribuem com cerca de 40% das exportações de bens para aquele mercado. Seguem-se a cortiça, o vestuário e o calçado. Estes são, pois, os negócios mais expostos às políticas protecionistas dos Estados Unidos.

Neste quadro de volatilidade e de impacto diferenciado sobre o tecido económico, pergunta-se: o que podem as empresas fazer para lidar com uma economia global mais protecionista e mais incerta?

O nearshoring, que assumiu uma relevância especial com a pandemia e as subsequentes disrupções nas cadeias de abastecimento, é claramente uma opção estratégica. O objetivo será reduzir a dependência de cadeias globais passando a privilegiar fornecedores de países mais próximos onde o risco seja potencialmente menor.

Em segundo lugar, as empresas mais expostas terão de redefinir o seu portefólio de produtos e mercados. Para isso será necessário alterar o design de produtos para reduzir o uso de componentes sujeitas a tarifas mais elevadas. E, claro, há que redirecionar os nossos bens e serviços para mercados onde o protecionismo seja menor.

Portugal não é forte em diplomacia económica e, menos ainda, em business diplomacy, isto é, naquela que é levada a cabo diretamente por empresas (em especial, as de maior dimensão) ou associações empresariais. Deste ponto de vista, há que desenvolver competências de lobbying pois num mundo mais transacional não se pode esperar que o Estado faça tudo. Até porque cada vez estará menos vocacionado e preparado para isso.

Concluindo, as empresas que se conseguirem adaptar mais rapidamente, reorganizando as suas cadeias de abastecimento, redefinindo produtos e mercados e assumindo uma postura mais relacional na gestão de interesses estarão em melhor posição para manter a sua competitividade limitando o impacto, sempre negativo, de uma economia global mais protecionista e mais volátil.

Os empresários portugueses têm demonstrado saber reagir a situações complicadas, a última das quais ocorreu durante a crise das dívidas soberanas e o aperto imposto pela troika. Esta é mais uma em que temos, todos, de mostrar que estamos à altura dos desafios.

+Carlos Brito é Presidente da Associação Portuguesa de Management

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