Uma Bússola para um mundo soberanista?

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A Europa acaba de apresentar a sua Bússola para a Competitividade. O nome é feliz, pois se há coisa de que precisamos neste momento é de instrumentos que nos orientem perante o esboroar da actual ordem liberal internacional. O vendaval Trump está a desnortear o atual sistema de relações internacionais, que foi estabelecido após a II Guerra Mundial e é composto por instituições, princípios e normas que visam promover a cooperação entre nações, os direitos humanos, a democracia, o livre comércio e a segurança coletiva. A este sistema devemos a prevalência do multilateralismo baseado no direito internacional, que foi responsável pela estabilidade, prosperidade e segurança no pós-guerra.

Inspirada no relatório Draghi, a Bússola para a Competitividade é um conjunto de boas intenções para mitigar o atraso económico e tecnológico da Europa face a outras potências mundiais. Sem grandes novidades, as propostas deste plano procuram responder a problemas há muito identificados. Todos concordamos que é necessário reduzir a burocracia na UE, baixar os custos energéticos, alterar as regras da concorrência, impulsionar a produtividade e a competitividade através da inovação, criar um enquadramento legal comum para startups, aumentar a coordenação europeia …

Importa agora implementar tudo isto de forma célere e consequente. E mesmo assim esta Bússola pode não chegar para orientar a UE num mundo que tende para uma ordem soberanista, procurando a soberania política de uns face a outros, em que vigora a lei do mais forte e em que cada país zela apenas pelos seus interesses. Um mundo, enfim, em que a política de alianças já não desempenha um papel central nas relações internacionais, com tudo o que isso acarreta para o desenvolvimento económico global e o livre comércio, para o equilíbrio de poderes entre as grandes potências, para a eficácia dos mecanismos de defesa e segurança coletivos, para a cooperação multilateral em questões como os direitos humanos, as alterações climáticas ou a saúde pública.

A doutrina America First empurra os EUA para o imperialismo mais do que para o isolacionismo. Tudo indica que Donald Trump quer provocar uma grande disrupção geopolítica para, deste modo, restaurar a liderança norte-americana no mundo, e diminuir o gigantesco défice comercial do país. Vai, por isso, tentar forçar as restantes potências e blocos regionais, incluindo a UE e demais aliados, a estabelecerem relações bilaterais com os EUA, para melhor impor a força económica e também militar norte-americana.

A Europa não pode cair nesta astúcia. Tem de se manter firme e unida, recusando quer o diktat das tarifas, quer as relações Estado a Estado com os EUA. Se Trump é um negociador bully, então só resta à UE ganhar poder negocial com posições conjuntas, agendas comuns e políticas integradas. A convergência estratégica entre os 27 e o aprofundar do mercado único dão à Europa capacidade para fazer frente aos EUA e avançar para alianças, nomeadamente comerciais, com outros parceiros.

A política internacional não pode ser vista como uma mera negociação, como faz Trump. Isso seria fazer tábua rasa de muitos séculos de alianças, fundadas em relações de cooperação e até de amizade entre países. Portugal é, de resto, um bom exemplo de alianças duradouras que, ao longo da História, permitiram consolidar o conceito de “mundo ocidental” e impulsionar a globalização. Convém, pois, que a Europa não se deixe contagiar pelo cinismo geopolítico, sob o risco de se fragmentar em posições soberanistas e egoísmos económicos. Perdendo, lá está, poder negocial para os EUA.

*Armindo Monteiro é Presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal

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