A discussão orçamental perdeu muito do seu glamour mediático, depois de o Partido Socialista ter anunciado que permitiria, em nome da estabilidade política de Portugal, que este fosse viabilizado no Parlamento, apesar de repetir incansavelmente que este não é o seu orçamento - o que se entende, mas não deixa de ser mau para o país. É que efetivamente não é, mas provavelmente devia ser também o Orçamento, pelo menos em parte, do PS e de todos os partidos europeístas moderados. Sabemos certamente que as narrativas e posicionamentos estratégicos políticos já há muito capturaram o principal interesse da iniciativa partidária, mas vivemos tempos determinantes aos quais seria de interesse nacional uma menor preponderância da pequena guerrilha de trincheira partidária.
O país enfrenta sérios desequilíbrios estruturais próprios, que precisam de ser enfrentados com reformas há muito adiadas, e que permitam que o país possa crescer de forma a manter o estado social tal como o conhecemos. Portugal precisa de se afirmar dentro de uma Europa que cada vez tem menos tolerância para esperar eternamente, e sobretudo, financiar sem resultados. Por outro lado, o mundo também está a mudar em termos geopolíticos, é mais protecionista do que algumas décadas atrás, e também a Europa precisa de se posicionar e reinventar. Mario Draghi já deu o alerta, e dentro desta mudança, Portugal também precisa agir para reencontrar o seu espaço.
E isto tem assim tanto que ver com o Orçamento? Mais do que percecionamos à primeira vista. O planeamento orçamental deve ser consentâneo com uma estratégia política para os próximos anos - idealmente até deveria ser para dois mandatos, de forma a enfrentar a próxima década. E Portugal precisa, acima de tudo, de construir uma estratégia política de país que permita enfrentar os desafios estruturais perante os quais se depara em várias vertentes, com destaque para: os desafios da Demografia (envelhecimento da população, fuga de talento jovem para o estrangeiro e excesso de dependência de imigração para suprir falhas do mercado trabalho), de uma Economia em transformação (ex: transição digital e custos sobre emprego e indústria tradicional, atratividade fiscal e impostos , educação e retenção de capital humano, produtividade), ou da Coesão social e garante do sistema de respostas públicas (credibilizar segurança e proteção civil, habitação acessível, sistema de saúde público sustentável, segurança social e pensões, e educação capaz de produzir mobilidade e equidade social, diminuindo as desigualdades).
Por fim, importa recordar que atualmente o centro político português é diferente. É menor e está mais disperso, não tem a mesma capacidade que tinha antes de garantir maiorias estáveis aos dois grandes partidos do centro. Isto significa que a capacidade de o governo do PSD fazer passar um programa de reformas sem negociar com o principal partido da oposição é muito menor. E Portugal precisa de reformas para enfrentar os desafios estruturais enunciados acima. Diz-se que a política nos dias de hoje é a gestão de delicados exercícios de equilíbrio para obter um resultado possível. Seria importante que esta espécie de arte do possível, pudesse ser concretizada ao nível da construção de uma estratégia para o país para os próximos 4-8 anos. O tempo urge, e se nada for feito, se prevalecer a letargia sobre a produção de uma estratégia de país, o resultado pode bem vir a ser uma crise de sistema do qual o país não sairá a ganhar.
Economista, presidente do International Affairs Network