A proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) tem margem ou "espaço orçamental" para conseguir chegar a um défice de apenas 2% do produto interno bruto (PIB) ou ligeiramente abaixo, basta que não sejam mais necessárias as "medidas transitórias" de combate à pandemia covid-19.
Essa potencial folga orçamental vale quase 3 mil milhões de euros, o equivalente a cerca de 1,32% do PIB, diz um novo estudo da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). A meta do governo para o défice de 2022 é 3,2% do PIB.
Dito de outra forma, segundo a avaliação preliminar da UTAO à proposta de OE2022 (ver nesta página do Parlamento), se a pandemia ficar resolvida mais rapidamente em 2022, o défice baixa para cerca de 2% ou 1,9%. Assim, podemos estar a falar de uma das maiores reduções do desequilíbrio das contas públicas dos últimos anos.
Em 2018, já na corrida para o excedente orçamental do ano seguinte, o governo e as Finanças (na altura lideradas por Mário Centeno) conseguiram reduzir o défice no equivalente a 2,7% do PIB. Em 2018, o défice afundou para 0,3%.
Em 2016, Centeno também conseguiu um forte desbaste no desequilíbrio orçamental, reduzindo-o em 2,5 pontos percentuais do PIB, para 1,9% do PIB.
Antes disso, o maior ajustamento foi logo no primeiro ano do programa de austeridade da troika e do governo PSD-CDS. Em 2011, o défice levou um corte histórico (o maior das séries oficiais que remontam a 1995) na ordem dos 3,7% do PIB. Caiu de um máximo de 11,4% em 2010 para 7,7% no final de 2011.
Ontem, a UTAO veio assinalar na sua primeira apreciação ao documento orçamental do primeiro-ministro, António Costa, e do ministro das Finanças, João Leão, que as medidas covid-19 em causa foram "criadas pelas autoridades portuguesas para combater os malefícios da pandemia na saúde e na economia".
No entanto, "por definição, são medidas com duração limitada". "Não podem ser confundidas com medidas permanentes."
Sabe-se que essas medidas "deram um contributo expressivo para a degradação do saldo orçamental em 2020 e 2021". Mas também que "em 2022, e de acordo com a escassa informação apresentada na proposta de OE2022, os impactos previstos com estas medidas serão substancialmente inferiores aos registados nos dois anteriores".
Segundo a entidade coordenada pelo economista Rui Nuno Baleiras, "a variação estimada do impacto orçamental das medidas transitórias covid-19 em 2022, face a 2021, representa uma melhoria no saldo orçamental de 2.996 milhões de euros (1,32% do PIB)".
Assim, "a comparação entre impactos das medidas transitórias covid-19 estimados em 2021 e os previstos em 2022 revela uma diminuição do volume de encargos líquidos para as Administrações Públicas (AP)".
"O ritmo de desligamento [phasing out] das medidas covid-19 previsto no acervo da proposta de OE2022 cria o referido espaço orçamental", o equivalente aos tais 1,32% do PIB.
"Esta melhoria decorre da diferença entre a variação negativa da receita (-921 milhões de euros; 0,41% do PIB) e a da despesa (-3.917 milhões de euros; 1,73% do PIB)", contabiliza a unidade que presta apoio aos deputados do Parlamento português no acompanhamento das contas públicas.
"Do lado da receita, salienta-se a diminuição da transferência de verbas de fundos europeus [componente covid apenas], que se contrapõe à recuperação da receita com impostos e contribuições sociais. No que diz respeito à despesa, assiste-se à variação negativa de todas as rubricas, ou seja, um volume de despesa comparativamente inferior, na qual se destaca a redução dos encargos em subsídios e prestações sociais", acrescenta a UTAO.
Esta equipa de especialistas lamenta que o Ministério das Finanças (MF), liderado por João Leão, "não tenha prestado qualquer esclarecimento adicional sobre as medidas de política orçamental transitórias covid-19".
A UTAO refere que "solicitou atempadamente (8 de outubro) informação sobre as medidas, procurando obter o maior grau possível de esclarecimentos sobre o teor e os impactos das mesmas".
"Apesar da informação diminuta e incompleta nos dados constantes na proposta de OE2022 e na ausência de esclarecimentos por parte do MF, a UTAO procurou calcular - dentro das limitações descritas e na medida do possível - a estimativa do impacto anual no saldo orçamental das medidas covid-19 e a previsão da variação a ocorrer em 2022 face a 2021".
"Para a realização desta tarefa, assumiram relevância os dados fornecidos atempadamente pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) em resposta a pedido da UTAO", observa.
O ano de 2021 como ponto de partida
Portanto, o que aconteceu em 2021 foi a base de trabalho e o ponto de partida da UTAO para tentar antecipar o que pode ser um OE sem o efeito da pandemia.
Segundo a unidade parlamentar, "as medidas transitórias covid-19 deverão dar um contributo negativo para o saldo orçamental de 2021 no montante de 3.572 milhões de euros (1,69% do PIB), por via, essencialmente, da despesa realizada".
"Sobressaem os encargos com: i) consumo intermédio (818,7 milhões de euros), rubrica onde se regista os encargos de saúde relacionados com vacinação, testes, equipamentos de proteção individual e outros materiais; ii) despesas com pessoal (408,1 milhões de euros), referente ao reforço de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde; iii) prestações sociais (900,2 milhões de euros), resultante de medidas de proteção dos rendimentos das famílias através do reforço do sistema de proteção social; iv) subsídios (2.024 milhões de euros) que incorpora, entre outros, os encargos com as medidas lay-off, apoio extraordinário à retoma progressiva e incentivos à normalização empresarial", diz a apreciação preliminar da UTAO à proposta de Orçamento do Estado para 2022.
A receita contrariou esse efeito 'depressor' no saldo orçamental com mais 945 milhões de euros por via das medidas covid (ou 0,45% do PIB). Tal "advém essencialmente, da receita de capital (1600 milhões de euros) referente a transferências de fundos europeus (REACT-EU e Fundo Social Europeu) destinadas a custear encargos com a pandemia", explica a UTAO.