O Orçamento do Estado é um dos documentos mais estruturantes para a economia nacional, mas só vai poder cumprir o que promete (se for aprovado, claro) e avançar com medidas novas com recurso abundante aos fundos europeus para a retoma, designadamente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), avisaram já as entidades que seguem e avaliam as contas públicas -- a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e o Conselho das Finanças Públicas (CFP). Sem subsídios europeus, muitos em nem sentiriam o orçamento.
CFP e UTAO disseram também que a execução deste OE vai ser muito arriscada porque a pandemia não acabou e pode haver novos surtos e confinamentos se alguma variante do vírus sair fora de controlo. E há muitos novos imponderáveis, como a crise dos combustíveis e do fornecimento de componentes industriais e matérias primas, que pode interromper a produção em vários pontos nevrálgicos da economia mundial. Na Europa, também, claro.
E há problemas que fermentam no próprio OE. A TAP pode precisar de mais apoios, o Novo Banco pode exigir mais dinheiro porque está no contrato, a covid pode regressar e lançar o inverno sobre as contas públicas, novamente. Naquele cenário de regresso da pandemia, também os 700 milhões de euros de reforço previsto para o Serviço Nacional de Saúde poderão não chegar.
A sociedade civil portuguesa representada por sindicatos e estruturas patronais também ficou entre a desilusão da UGT e um certo sentimento de choque dos restantes parceiros sociais. Os patrões disseram mesmo que a nova proposta de OE "ignora quase em absoluto" as suas propostas.
Resumindo: todos duvidam do realismo e do alcance desta proposta de OE2022, mesmo com o dinheiro da Europa a aguentá-lo; uns consideram o plano do governo mau e dizem que até pode deixar agravar os problemas do país, da vida das famílias (que as deixa empobrecer) e das empresas (que as deixa falir), numa altura em que estas tentam manter-se à tona ou afastar-se definitivamente da tempestade pandémica chegando a um qualquer porto seguro.
UTAO
Os subsídios europeus são a base do OE ou, pelo menos, do que o OE2022 dá de novo ao País. Por exemplo, na avaliação da UTAO, "o contributo direto das novas medidas permanentes para o saldo de 2022 ascende a -622 milhões de euros". Segundo as Finanças, esse pacote das novas medidas vale quase o dobro (1032 milhões de euros). Mas a UTAO, diz o impulso do OE à economia "excluindo o efeito das medidas PRR", é menos de metade disso: apenas 454 milhões de euros.
CFP
Na avaliação do CFP, a maior parte das medidas avançadas pelo governo são despesa (6002 milhões de euros). Mas "retirando o efeito das medidas afetas ao PRR", a despesa pública com esforço nacional afunda para menos de metade (2799 milhões de euros). Para o CFP, há um problema: mais de metade da despesa (1700 milhões de euros) tem "impacto nas componentes mais rígidas da despesa pública - despesas com pessoal e prestações sociais". Além disso, a previsão orçamental "está sujeita a incerteza sobre a evolução da situação pandémica", como "um eventual agravamento na sequência de novas variantes" do vírus. Além disso, o Conselho avisa que num cenário pior, a TAP pode vir a precisar mais do que os 990 milhões já reservados no OE2022. O Novo Banco pode exigir mais dinheiro se acionar o contrato. E há milhões em garantias do Estado a bancos e empresas que podem ser executados.
Patrões
Os patrões, que, entretanto, suspenderam a sua participação na Concertação Social pela forma como o governo estava a negociar o Código do Trabalho, também criticaram duramente a proposta de OE2022. O Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) considera que a proposta "fica muito aquém do que seria desejável na concretização de medidas orientadas para uma nova dinâmica de crescimento económico. Com efeito, são poucas e de impacto muito reduzido as medidas destinadas às empresas, ignorando o Governo, quase em absoluto, as vinte propostas de natureza transversal que o CNCP apresentou em meados de setembro". "Não se prevê qualquer desagravamento" nas taxas de IRC, "não se introduz qualquer alteração no regime das tributações autónomas", nem no regime do IVA.
Sindicatos
As críticas da CGTP são bastante parecidas às do PCP. A central sindical "exige a adoção de uma política que valorize o trabalho e os trabalhadores, promova serviços públicos de qualidade e garanta o financiamento do Estado através de uma tributação que, garantindo mais recursos, incida sobre os rendimentos do capital, desonerando aqueles que têm como origem o trabalho". As alterações propostas no IRS, com a introdução de dois novos escalões, ou o englobamento de rendimentos de capital conforme previsto, "indo num sentido positivo, são manifestamente insuficientes". Para a CGTP, "os novos escalões do IRS deixam de fora de qualquer alívio a maioria dos trabalhadores", ao passo que "o englobamento obrigatório em sede de IRS (que a CGTP-IN há muito exige) é feito tendo em conta apenas uma pequena parcela dos rendimentos de capital". Para a outra central, a UGT, "estamos longe de ter um OE ambicioso", "deveria corresponder mais às expectativas dos trabalhadores e às necessidades dos pensionistas", disse o secretário-geral, Carlos Silva.