Em 1971 o mundo mergulhou no caos cambial com a denúncia pelo Estados Unidos da América dos Acordos de Bretton Woods de 1944 que tinham instituído a estrutura do sistema financeiro internacional do pós-guerra. Essa estrutura repousava na convertibilidade do dólar norte-americano em ouro. Mas com países como a Alemanha, grandes exportadores, a converter sistematicamente os dólares obtidos por ouro, os americanos foram forçados a atirar a toalha ao chão, lançando o mundo num período de grande inflação e recessão que se estendeu durante vários anos. Portugal foi um dos países fortemente atingidos por esta crise, acabando por ser intervencionado pelo FMI em 1977.
A crise foi ultrapassada com os Acordos da Jamaica em 1976 que criaram uma nova arquitetura do sistema financeiro internacional, com base em três pilares: fim do papel do ouro, câmbios flexíveis e largos poderes de intervenção atribuídos ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Com esta arquitetura o dólar manteve a sua centralidade no sistema financeiro internacional.
A guerra na Ucrânia, com o congelamento dos ativos financeiros da Rússia e a ameaça do seu confisco e o corte do acesso deste país ao sistema de pagamentos internacional, através do SWIFT, estão a erodir os Acordos da Jamaica e poderão levar a emergência de uma nova configuração do sistema financeiro internacional.
Na verdade no momento da assinatura dos Acordos da Jamaica, a economia americana era a maior do mundo, o petróleo era transacionado em dólares e provinha essencialmente do Médio Oriente e a Alemanha tinha uma economia forte baseada nas exportações suportadas pela sua tecnologia de ponta.
Tudo isto desapareceu. Os Estados Unidos são já a segunda maior economia do mundo, a primeira é a chinesa, a caminho de serem ultrapassados também pela Índia. O petróleo russo já não se transaciona em dólares e a Alemanha tendo perdido a revolução digital já não pode basear as suas exportações em tecnologia de ponta.
Os G7 estão a ser suplantados pelos BRICS e o centro de gravidade da economia mundial mudou-se para a Ásia.
A recusa dos Estados Unidos de permitir o acesso à rede SWIFT pela Rússia, não cumprindo assim o anterior Acordo dos Cereais levou a Rússia a renunciar a um tratado em que só ela cumpria o acordado. Teremos, assim, outros grandes mercados, o dos cereais e fertilizantes russos, em que a moeda utilizada vai deixar de ser o dólar.
Pouco a pouco os Acordos da Jamaica estão a perder alcance, ficando restritos ao chamado mundo ocidental, um mundo em rápida redução geográfica. Se os BRICS avançarem com os seus sistemas de pagamento próprios e uma forma de compensar saldos tal será o toque de finados para os Acordos da Jamaica.
O que se seguirá? Provavelmente dias difíceis de grande crise económica na Europa. O fim do surto inflacionista, sempre anunciado como estando ao virar da esquina, vai certamente prolongar-se, como o prenuncia o fim do Acordo dos Cereais.
A fome em África parece fora de questão uma vez que a Rússia ofereceu cereais gratuitos aos países africanos necessitados. A fome na Europa, porém, é outro tema.