Já a comparam a uma guerra e entendemos porquê. Apesar de nos munirmos do possível (confinamento e distanciamento social; reforço das equipas de saúde e seus materiais; formulações de apoios insuficientes aos vários setores económicos...), a diluição de postos de trabalho torna-se uma realidade cada vez mais preocupante no país, com a OCDE a projetar uma subida da taxa de desemprego para os 9,5% em 2021. Eis que surge uma dicotomia intrigante: não obstante a abundância de oportunidades residentes nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), só em 2018, a Pordata registou 75.000 profissionais em falta na área em Portugal, onde a ávida procura de talento projeta as remunerações anuais brutas para os €100.000, segundo um estudo recente da Michael Page. Aqui, desde logo, reconhecemos a reconversão de carreira como "a" tendência para o futuro; o segredo estará, porém, em entender quais os caminhos mais favoráveis para desbravá-la rumo às possibilidades de um setor cujas necessidades também estão em profunda mutação.
Numa primeira instância, note-se que a procura no ramo tecnológico se torna cada vez mais especializada. O supramencionado estudo da Michael Page aponta para os cinco mosqueteiros a conquistar a maioria das vagas nas empresas tecnológicas, em 2021: Cyber Security, IoT (Internet of Things), Cloud, Machine Learning e Big Data. De facto, a exigência dos desafios atuais mobiliza os recrutadores para uma maior especificidade e, ao que tudo indica, estes cinco vetores têm tudo para preponderar nas escolhas dos recrutadores - e os motivos não são obscuros. Por um lado, de acordo com um estudo recente da especialista em segurança digital Dashlane, a maior dependência de serviços Cloud e investimento em novas ferramentas tecnológicas (através de Machine Learning, Big Data, e aplicações ligadas à IoT, isto é, à conectividade entre objetos físicos via Internet), trazida pela generalização do teletrabalho, despoletará este aumento da procura de profissionais para as quatro áreas mencionadas. Por outro lado, a mobilização massiva das operações para o plano digital amplia a quantidade de dados dos clientes reunida pelas empresas, o que traz uma maior exposição ao cada vez mais sofisticado crime cibernético - daí que, conforme a Dashlane indica, a Cyber Security se torne, agora, uma questão prioritária para as empresas, sendo o quinto elemento de destaque no recrutamento em TIC, em 2021.
Assim, parece operar-se uma convergência desejável, ainda que complexa: a maior procura de profissionais especializados em tecnologia alinha-se com a necessidade de oportunidades de reintegração de profissionais que hoje perdem os seus trabalhos. Importa reconhecer, porém, que aproveitar essa convergência exige uma compreensão lúcida da conjuntura atual: as empresas, particularmente interessadas em recrutar nas cinco áreas tecnológicas enumeradas, deverão adaptar o seu processo de recrutamento para atrair talento especializado agilizando a atualização das hard skills tecnológicas dos seus colaboradores; já estes beneficiarão, em grande número, de uma reconfiguração de skill sets ou mesmo de uma reconversão de carreira, escalando o seu potencial de reintegração e progressão no mercado laboral no médio/longo prazo, já que dificilmente se recuará na digitalização da economia.
Neste contexto, um ensino disruptivo é crucial para a sinergia desejada. As universidades já estão a adaptar as suas propostas, com cursos e unidades curriculares de acordo com o que o mercado está a requerer - é o caso da NOVA SBE, com o seu recente programa de literacia para a transformação digital, transversal a profissionais e empresas. Porém, um enorme valor acrescentado reside nas escolas tecnológicas mais recentes, com programas intensivos focados em áreas-chave no recrutamento em TIC - como o bootcamp de Cyber Security da Ironhack, por exemplo - opções ainda pouco exploradas e conhecidas por estudantes, empresas e profissionais de áreas não tecnológicas que permitem, independentemente do background dos inscritos, um acesso mais célere a ofertas de trabalho atrativas em potencial de progressão de carreira e remuneração.
Como vemos, conhecer as áreas onde o recrutamento tende a padronizar-se em peso importa, sobretudo, para uma maior astúcia ao tomar decisões de carreira, num período em que a incerteza é a única constante. Igualmente, as equipas de Recursos Humanos beneficiarão de uma flexibilização dos critérios de avaliação ao recrutar, privilegiando as capacidades efetivas e não tão acerrimamente a academia. Finalmente, ser-nos-á crucial descomplicar as abordagens, mostrando à população ativa - dos jovens às gerações mais maduras - que a tecnologia não é algo hermético, mas uma chave para desbravar caminho, quando tudo parece indicar um beco sem saída.
Munique Martins, Campus Manager da Ironhack Lisboa