Pergunte a Vladimir Putin como está a correr a sua "operação militar especial" contra a Ucrânia, e já sabemos a resposta: está tudo a correr conforme os planos.
A parte que ele não dirá é que os planos já não são os que tinha no início do ano, quando decidiu invadir o país vizinho. São mais provavelmente os que o seu Estado-Maior teve de cozinhar à pressa, nos últimos dias ou horas, para responder a mais uma prova da capacidade de luta dos invadidos - ajudados, numa proporção também não prevista, pelo Ocidente.
Se toda esta história fosse um filme, podíamos até ficar contentes por o vilão ver assim contrariados os seus planos. Só que não é um filme - e os planos de Putin, mesmo que ele tenha de os refazer todos os dias, por esta altura já atrapalharam muito dos seus e dos meus.
E o timing, como já se disse à exaustão, não podia ter sido pior. Antes de Putin, o Covid já nos tinha posto muitos planos em quarentena. Quando pensávamos que o mundo ia voltar a ser previsível, cai-nos mais isto em cima.
Para quem tem negócios a tocar, como aliás para o mundo todo, é uma grande chatice. Planear e executar planos é a vida de um decisor. Quando as circunstâncias tornam isso tão difícil, o que nos sobra?
Falo por mim. Olhando para o que detalhadamente planeei há um, dois ou cinco anos, sinto-me a ilustração perfeita daquela frase de Woody Allen: "se quiser fazer Deus rir, mostre-lhe os seus planos". Ou daquela outra, do conde Von Moltke, um general prussiano do século 19: "nenhum plano de batalha sobrevive ao contacto com o inimigo".
Para complicar, na nossa vida civil o "inimigo" nem sequer é claro. Pode ser a covid, pode ser a tempestade económica causada pela húbris de um ditador. Mas não é só isso que conspira contra os seus planos. Mesmo em situações mais normais, ao descerem ao terreno eles encontrarão todo o tipo de resistências.
Por muito que tenhamos estudado a concorrência, por exemplo, seria ótimo que ela fizesse exatamente o que prevemos. O mesmo vale para os seus clientes. A forma como responderão pode ser imaginada ou extrapolada do passado - mas qualquer previsão é, no melhor dos casos, probabilística. E há ainda um imponderável que normalmente tratamos como se não o fosse: o comportamento da sua própria organização. Incluindo quem a lidera. E incluindo você
Pessoas são pessoas, e nem sempre fazem o que se espera, mesmo quando se comprometem a isso. Como diz a canção: é que há distância entre intenção e gesto. É claro que há muitas maneiras de tentar remediar esse desalinhamento. Saber a sua origem é um primeiro passo: o problema é organizacional? Cultural? Psicológico? Alguma mensagem circulou mal ou não foi entendida? É preciso investir mais em formação ou motivação? Os resultados, no entanto, não são garantidos. Como, aliás, raramente são.
Poderia alongar a lista com muitos outros fatores, mas acho que só com estes já temos imprevisibilidade que chegue. O que fazer, então?
Apesar de tudo o que fui dizendo até aqui, estou longe de pensar que fazer planos é inútil. Mas reconhecer os seus limites leva a uma outra forma de olhar para eles - para como os elaboramos e, principalmente, como os executamos.
Um plano parte sempre de duas perguntas. Onde você quer chegar. E qual o caminho. As duas respostas são importantes, mas a primeira conta mais. Definir o que quer que aconteça, a própria razão de ser de todo o esforço, muitas vezes está longe de ser óbvio. Mas, uma vez que tenha essa clareza, à partida é algo que não deveria mudar. Não é que não possa acontecer - mas, quando se torna a regra (como tem sido o caso com Putin), em vez de uma exceção muito rara, é porque a empreitada já estava condenada à nascença.
Idealmente, o caminho para lá chegar também deveria ser algo que você sabe desde o início, e que trilha sem qualquer desvio. Mas isso, sim, como já sabia o supracitado von Moltke, é capaz de ser mais a exceção do que a regra.
Felizmente para quem tem de planear e executar, a lição do marechal não se esgotava na frase famosa. Se os planos de batalha não resistem ao contacto com o inimigo, o que ele propunha eram planos mais flexíveis, contemplando diferentes cenários e um repertório de respostas para cada um deles.
A consequência que tiro para mim: como não é humanamente possível prever todos os cenários, a caixa de ferramentas de quem decide deveria incluir, ao lado da capacidade de planear, uma outra, menos valorizada, mas igualmente importante. Saber improvisar.
No mundo dos negócios fala-se mais de planeamento do que de improvisação. É como se esta última fosse um talento com que se nasce ou não - o que, sendo o mundo o lugar imprevisível e perigoso que é, é capaz de nos deixar um bocadinho despreparados.
Felizmente, improvisar, como planear, também é algo que pode e deve ser estimulado, aprendido, treinado. Como fazê-lo? Isto já é tema para um próximo artigo.
Jayme Kopke é diretor-geral e criativo da Hamlet