Os primeiros sinais do outono 

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O outono é em si uma época de transição, e economicamente a conjuntura que temos conhecido está lentamente a mudar também. À cabeça o combate à inflação tem tido sucesso, e a questão agora permanece com o custo que este braço de ferro teve sobre a economia. Um processo de ajustamento suave é agora o que mais centraliza as atenções, num momento em que de facto, parece que os principais bancos centrais conseguiram levar por diante a sua estratégia, e se preparam para descer taxas de forma sustentada. Para Portugal, isto representam notícias muito favoráveis. Um ciclo de descida de taxas pode alimentar o consumo privado, via rendimento das famílias, num país onde o endividamento é significativo e onde a dependência das taxas de juro variáveis é predominante, representando cerca de 83% dos empréstimos no nosso país.  

No entanto existem ainda preocupações relacionadas com a economia europeia que importa monitorizar durante o próximo trimestre. Numa primeira linha, a economia da zona euro carece de dinamismo. A leitura relativa ao crescimento real do segundo trimestre foi revista em baixa de uma décima para 0,2%, em termos trimestrais, e a dinâmica subjacente na região europeia permanece fraca. Na verdade, estruturalmente continuam a existir alguns desequilíbrios por corrigir, mantendo-se o comércio líquido como principal motor do crescimento, enquanto o consumo privado permaneceu estável, e o investimento caiu a um ritmo mais rápido. Adicionalmente, o sector industrial está em dificuldades e os serviços não conseguem compensar o este desequilíbrio. A indústria aliás, dá alguns sinais de recessão na maior parte do mundo, com a queda das importações da China a exercer um peso significativo sobre a atividade industrial global. O apoio político recente e as potenciais medidas adicionais que ainda estão por vir, poderão ajudar a estabilizar a atividade chinesa, embora dificilmente o será a um nível do pré-covid. Os dados mais recentes da Europa sugerem um sentimento fraco e uma maior suavidade na atividade.  

Outra dificuldade está também relacionada com a política fiscal. Os níveis de endividamento dos países permanecem elevados, e isso significa que as respostas que os governos podem dar a nível orçamental para alimentar a recuperação das economias é mais limitado. Os receios com a sustentabilidade das dividas podem ser também um potencial risco, que obviamente pode ser mitigado à medida que for sendo mais visível que o ciclo de descida de taxas veio para ficar. Mas será sempre um exercício de equilíbrio que os Bancos Centrais deverão gerir, sobretudo quando existirem percalços na evolução das leituras dos preços, ou quando existirem leituras mais tímidas para as economias. No caso da União Europeia, o mandato do Banco Central Europeu é mais restrito, mas não é isento das leituras que a autoridade monetária utiliza para suportar as decisões.  

Para a Europa e para Portugal, o desafio vem também da agenda de transformação. O plano de resiliência traz consigo um desafio estrutural de empurrar a economia comum para um mundo mais digital, mais ecológico. Mas há agora também a necessidade de despertar geopoliticamente a economia do euro para a competitividade, onde China e Estados Unidos ganharam vantagem muito alargada nas últimas décadas. O relatório Draghi é neste campo, crucial para que a Europa se encontre e abandone a letargia estratégica em que tem estado. E um debate que muito deverá provocar neste trimestre que vem.

Economista,  presidente do Internacional Affairs Network 

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